A Paixão de Madalena - Capítulo 10


A Paixão de Madalena

Livro II - O Cordeiro de Deus

10. Fora atribulada e longa, a caminhada. Viera Ele de salvá-la da morte arremessada em cada pedra. Um ou outro popular, talvez desses que pensam nunca ter pecado, ainda os perseguiu. Ele voltou-se para trás e fez-lhes um gesto veemente com o braço:
-Ide à vossa vida!
E foram.

Ela caminhava com a cabeça vergada pela vergonha, os olhos pregados no chão, as lágrimas de arrependimento lavando-lhe a face. Segura ao braço dele, tropeçou aqui e ali e abriu lenhos de sangue na carne dos pés. Ele tinha caminhado muito antes de encontrá-la e agora quase corria e, por isso, seus pés tinham terra pó e sangue seco de pequenas feridas. Entraram em casa dela. A mulher correu a todas a janelas a tapá-las com tecidos, restou uma luz trémula, um raio de sol cortando a escuridão e deixando ver o bailado do pó à sua volta.

A casa estava na penumbra. Alguém bateu à porta, mas não foi ouvido. A mulher puxou um pequeno banco de madeira e convidou-o a sentar-se. Foi buscar um alguidar com água a uma bilha e um pano limpo. Era um líquido precioso. Normalmente não se usava a primeira água para lavar os pés. Mas aquele era um convidado diferente. Não vinha pelos mesmos motivos dos outros. Acabara de salvá-la. Era Ele. Molhou o pano e espremeu-o. Começou por limpar-lhe a face, depois o pescoço, voltou a mergulhar o pano na água, lavou-o, espremeu-o e levou-o aos pés dele e lavou-lhos com movimentos cuidados envoltos em dedicação e admiração.

Está Ele sentado no banco. Está ela ajoelhada à sua frente lavando-lhe os pés. Segura-lhe um de cada vez, mergulha-os na água e depois fá-los emergir do alguidar e acaricia-os com o pano antes humedecido, limpa-lhos da terra e do sangue seco. Nunca olha para cima. Não se atreve. Mantém-se prostrada perante o Senhor. Quando termina, , ergue-lhe os pés lavados e limpos e beija-os.
-Porque me beijas os pés?
-Porque sois quem sois…
-Sou um pecador como todos os outros.
-Não sois como todos os outros.
-Sou sim. Sou mesmo mais pecadores do que eles.
-Senhor…
-Ouve… eu conheço o caminho da salvação, a minha missão era simples, bastava que vos ensinasse esse caminho, que vos levasse a segui-lo ou desse a minha vida por vós. Verás, dentro de pouco tempo, que terei de morrer por vós pois não consegui ensinar-vos o caminho da salvação.
-Ensinai-me esse caminho, Senhor, e eu o gravarei em meu coração. Eu o aprenderei, Senhor.
-Sim. Ensinarei. Sim. Aprenderás.
-Qual é o caminho, Senhor, dizei-me, eu vos suplico.
-O único caminho para a salvação, Maria de Magdala, o único capaz de vos redimir de todas as faltas, é o Amor.
-Eu vos amo, Senhor.
-Eu sei, Maria de Magdala, mas não basta que me ameis. Amai-vos uns aos outros.

E dizendo isto, o Senhor se levantou, o Senhor ergueu Maria de Magdala e a sentou no pequeno banco de madeira, o Senhor puxou o alguidar com a água e pano para junto de si e se prostrou diante da mulher que acabara de aprender a suprema lição. E com gestos lentos e cuidados, o Senhor lhe lavou as lágrimas desenhadas na face e os pés das feridas e do pó e tendo terminado o Senhor lhos ergueu e os beijou.

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