Leitura de Férias


Por via das tarefas de manutenção, estas férias não li tanto quanto queria. Ainda assim, nas duas últimas semanas, devorei três livros. Embora seja um leitor lento, daqueles que saboreiam, voltam a atrás, releem, divertem-se e só depois avançam, a escassez de tempo para ler, deu-me para despachar a prosa.

Quem me conhece já me ouviu muita vez a frase "prefiro um mau autor português do que um bom estrangeiro". Quero com isto dizer que leio preferencialmente autores de Língua Portuguesa. Também leio estrangeiros, mas procuro e prefiro sempre um português. Não se estranhe, pois, que os três livros sejam de autores portugueses. Aqui fica o elenco e uma breve opinião que não pretende ser uma crítica literária. Só a minha opinião.

Madrugada Suja
Miguel Sousa Tavares

Eu sou professor e, como tal, não gostei de muitas das suas declarações acerca dos docentes. Também sei que muitas das afirmações que lhe são atribuídas não foram por si proferidas. Em todo o caso, não misturo as coisas. Não gosto do comentador, mas gosto muito do escritor. Até hoje li toda a prosa ficcional de Miguel Sousa Tavares e, se bem que tenha gostado deste livro, penso que é o romance mais fraquinho que publicou até hoje. Tem uma prosa escorreita, mas falta-lhe intensidade, as personagens não têm densidade psicológica, e a trama é confrangedoramente previsível. Em todo o caso, considero absolutamente deliciosa a construção do ambiente de Medronhais da Serra, uma aldeia perdida no alentejo e, em particular, da personagem Tomás da Burra, avô do protagonista. A crítica política também está bem urdida mas há momentos em que o texto se desprende do romance e fica a parecer uma crónica para o jornal. Por fim, duas falhas técnicas ou, melhor dizendo, duas mesquinhices minhas. Primeiro, não me parece que uma rapariga violada e atropelada, que passa por um processo de recuperação do andar que dura cinco anos quisesse alguma vez mais ter qualquer tipo de relacionamento com um dos agressores, mesmo considerando que este tinha um estatuto mais "desculpável" que os outros dois. Segundo, era impossível o Tomás da Burra converter uma cadeira de barbeiro, tal como a que está descrita, numa "cadeira de rodas" colocando-a em cima de umas rodas de madeira. Essas cadeiras são pesadíssimas, a rondar os 200kg, e são necessários vários homens para as manusear. 
Em todo o caso, é um livro que se lê de um só fôlego e que aconselho.

Já Não Se Escrevem Cartas de Amor
Mário Zambujal

Este é um autor de quem também li toda a prosa, à exceção de "Cafuné" que vou ler brevemente. É um texto delicioso, quase como uma crónica de época, mas repleto de um humor fino e adaptado à Lisboa dos anos 50. O retrato social está muito bem conseguido e as personagens são divertidas até porque não pretendem ser mais do que isso. O livro é despretensioso e, talvez por isso, se torna cativante e envolvente. De resto, é preciso lê-lo até à última palavra para que toda a trama tenha sentido. É interessante seguir a errância amorosa do protagonista bem como os desconcertantes momentos de sensualidade que a envolvem, como é interessante passear pelos ambientes recriados. Por fim, o livro tem uma característica que encontramos quase sempre nos textos de Mário Zambujal: está povoado de personagens secundárias maravilhosas. Aconselho.

Os Retornados - Um Amor Nunca Se Esquece
Júlio Magalhães

É um texto com interesse histórico e com um valor afetivo e um potencial emocional para quem viveu a realidade que retrata: a ponte aérea que permitiu o regresso a Portugal de muitos dos portugueses que viviam nas antigas colónias. A primeira parte do livro é muito documental e serve, fundamentalmente, para mostrar o drama que viveram esses portugueses, a forma abrupta e trágica como foram despojados da sua vida. Só na segunda parte do livro, "20 anos depois", o autor entra efetivamente no campo do romance. A escrita está conseguida ao nível de um relato. Para romance, falta-lhe muita coisa. Ainda assim, eu acho que todos os portugueses, "Retornados" ou não, deviam ler este livro. Como também sou "Retornado", para mim, emergiu o valor emocional do livro. Às lágrimas. Contudo, reconheço que a escrita é muito incipiente e, por vezes, desnecessariamente redundante, quase pueril, como se fossem as memórias de um menino. E talvez sejam. Se é "Retornado" já leu. Se não é, devia ler.
Pretendo ler outros livros deste autor para não "cristalizar" a minha opinião com base num só texto.

jpv

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