Crónicas de África - Kaapsehoop


Crónicas de África - Kaapsehoop

Nelspruit, 6 de outubro de 2013

O fim de semana foi longo. Em Moçambique foi feriado na sexta feira, dia 4 de outubro. É o dia da Paz. Abençoada!

Porque precisávamos de descansar, porque era necessário fazer manutenção na viatura, decidimos vir ainda na quinta feira, ao final da tarde, até ao High Hide Lodge, visitar os nossos amigos, Norman e Debbie.

Quando chegámos, com a sua imensa simpatia, Debbie tinha feito uma cottage pie para nós. Estava deliciosa. É uma espécie de empadão, feito numa taça de "Pyrex" que vai ao forno. É de batata e o recheio de pedaços de carne, entre eles, bacon. Também leva cogumelos e ervilhas. Tem um molho delicioso. A saber a ervas e um pouco de caril.

Estranhámos o silêncio. Na grande Capital moçambicana é difícil ouvir o silêncio. Aqui, está em todo o lado, cortado, a espaços, pelos pássaros e pelas rãs.

Na sexta feira, dedicámo-nos a fazer quase nada. Ler. Dormir. Grelhar. Comer. Descansar. O ritmo vinha sendo intenso e a paragem foi providencial. Norman levou o carro para a manutenção e trouxe-o à noite.

No sábado, já com o carro pronto, fomos descobrir um pouco mais de Nelspruit, mas a única coisa verdadeiramente significativa que me vem à mente sempre que a visito, é que a cidade parece um gigantesco subúrbio de Maputo. É um pouco como quando se vai a Andorra e se está sempre a tropeçar em portugueses e a língua mais falada nas ruas é o português. Nelspruit está repleta de portugueses e moçambicanos e ouve-se falar português em cada esquina. Há mesmo empregados nas lojas e nos restaurantes que se abeiram de nós, olham-nos e soltam um  Bom dia! bem pronunciado. Nelspruit fica a 200km de Maputo o que quer dizer entre duas a três horas de deslocação dependendo do movimento que houver na fronteira. Já a passámos em vinte minutos e já a passámos em duas horas. Com o tempo, aprendemos a conhecer e a evitar os momentos mais concorridos.

Hoje, estávamos convidados para ir comer panquecas a uma terra chamada Kaapsehoop. Os sul-africanos pronunciam qualquer coisa como Kaps-a-uârpe.

Foi uma surpresa. É uma terrinha muito pequenina. As ruas, ou são de terra batida, ou são pavimentadas como se fosse a entrada de uma garagem, ou seja, duas tiras de pavimento, uma para cada pneu, separadas por relva. Os passeios são todos em relva verdejante. Todas as casas são como as de Pilgrims Rest, a imitar as do tempo da corrida ao ouro no início do século XIX, construídas em zinco e depois pintadas. Todas têm alpendres, num claro sinal de que o clima permite "vida de varanda". Muitas casas têm as portas abertas e os visitantes são convidados a entrar, a provar os produtos caseiros e a adquirirem-nos, se quiserem. As pessoas são de uma simpatia extrema e olham cada visitante como uma novidade que chegou a Kaapsehoop.

Entrámos na casa de Anabelle, uma senhora a rondar os setenta anos. Ela veio à porta saudar-nos:
- Olá, como estão?
- Estamos bem, obrigado.
- Viram por aí o Mr. Dumpling?
- O Mr. Dumpling?
- Sim, o meu gato às riscas.
-Ah, sim. Um gato enorme que está ali fora!
- Se ele vos aborrecer, não liguem. O meu gato não sabe que é gato!
- ?!
- Pois, isso mesmo. Ele é filho de uma gata selvagem que o abandonou à nascença. Um vizinho encontrou-o no mato e trouxe-mo. Era do tamanho de um dedo. Dei-lhe leite num biberão. Primeiro, de meia em meia hora. Depois, de hora a hora. Um ano mais tarde, o malvado ainda bebia leite pelo biberão, mas eu já não tinha de lho dar à boca, dava-lhe o biberão e ele agarrava-o e bebia sozinho. Assim que abriu os olhos, a primeira coisa que viu foi a minha cara, viveu sempre cá em casa e julga genuinamente que eu sou a mãe dele e que ele é humano. Ele não sabe que é gato!

Anabelle mostrou-nos fotos do Mr. Dumpling a beber sozinho pelo biberão e ele veio ter connosco a pedir festas. É um gato com doze anos, mas mais parece um texugo. É enorme e está gordíssimo.

Outra particularidade de Kaapsehoop são os cavalos selvagens. Animais belíssimos, enormes, de todas as idades, que nascem no mato e nunca foram domesticados. Vivem em estado selvagem. Quer dizer, semi-selvagem. A verdade é que se habituaram a invadir a cidade, percorrem as ruas, abrigam-se na sombra das árvores e metem-se com os visitantes se lhes cheira a presentinho mastigável. A Paula deu-lhes rebuçados e quando quis vir-se embora, eles cercaram-na e só a deixaram em paz quando ela lhes deu todos os rebuçados que tinha na mala. Como é que eles sabiam que havia mais rebuçados na mala é que eu não sei. Enfim, ela recebeu em troca um monte de baba de cavalo na palma da mão.

Por fim, fomos às panquecas. Comemos à sombra de um enorme carvalho. Salgadas, doces, agri-doces, há para todos os gostos e são ótimas. Foi numa casa transformada em restaurante de panquecas chamada "Koek 'n Pan".

Agora, aguarda-nos o trabalho, mas pode dizer-se que recuperámos muitas forças. O sono, o descanso e a novidade são excelentes alimentos para o espírito. O corpo, esse, contenta-se com grelhados na brasa e panquecas!

jpv



Kaapsehoop - Casa.


Kaapsehoop - Cavalos selvagens passeando na rua.


Kaapsehoop - Potro comendo guloseima.


Kaapsehoop - Casa das abóboras.


Kaapsehoop - Pormenor de alpendre.


Kaapsehoop - Interior da Igreja. O altar é um simples
estrado com um janelão para a rua. A cruz faz parte da
estrutura da parede.


Kaapsehoop - Sinal de trânsito a dizer para se ter cuidado
porque passam crianças, gatos, cães, rãs e fadas!


Kaapsehoop - Casa.

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