Mulheres de Quelimane, Homens de Maputo.


Histórias a Preto e Branco

Mulheres de Quelimane, Homens de Maputo.

A história conta-se em poucas palavras. Homens que nunca daqui saíram, mulheres que vieram de longe. Quelimane. Quem vem de Quelimane diz que é onde brotam os melhores ananases, onde ficam as praias mais tentadoras, onde nascem as mulheres mais dotadas e onde se cozinha a melhor mucapata de caranguejo que as gentes de Moçambique alguma vez provaram.

Chamaram-lhe Virgínia a conselho de um padre português que vivia em Inhambane desde antes de ter barba até a ter grisalha da velhice e amarelada dos cigarros vespertinos sugados debaixo de uma acácia sem idade. Dissera o pároco que o nome significava pureza, virgindade e que aquela menina deveria ser guardada para o Senhor, entregue às Carmelitas da Missão e criada com Avé Marias e Padre Nossos numa vida dedicada ao espírito e à Divindade. Bem intencionado foi o pároco, mas desconhecedor das forças e premências da Natureza, ou, sendo conhecedor, subestimador delas.

Virgínia foi-o enquanto pôde. Aos catorze anos partiu para Maputo com o pai da criança que levava na barriga. Depois dessa, teve outra e depois dessa está tendo outra aqui nesta cama onde se encontra deitada, abrindo as pernas ao mundo e esperando que a sogra lhe tire o filho do ventre. Estranhou, pois, as palavras da velha que, quando lhe tirou o filho e lho deu para o colo, disse:
-Toma, este é o primeiro.
-Primeiro?

E por ser o primeiro a ver a luz do sol nesse dia, Primeiro lhe chamou e ao que veio a seguir, com a lógica inquebrantável de quem vive a Natureza como sua casa de ser, Segundo lhe chamou. Primeiro cresceu um rapaz forte e bonito e fisicamente dotado. Tudo o que tivesse a ver com ferramentas, ar livre e futebol e fazer com as mãos era com ele. Ímpeto forte e palavra larga. Segundo cresceu um rapaz sereno, muito replexivo, fechado nos seus próprios pensamentos, muito dado às contas, às letras, aos livros. Tudo o que tivesse a ver com pensar, com palavras, esquemas e táticas e fazer com o cérebro era com ele. Força serena e gesto comedido.

Cresceram juntos, comeram o mesmo pão, a mesma manga, a mesma banana, o mesmo arroz. Eram iguais. Um rosto simpático, os dentes largos em cima e fininhos em baixo, as mãos longas e as pernas esguias. Adoeceram nas mesmas semanas, tiveram as mesmas faltas de apetite e os mesmos desejos vorazes de ananás polvilhado com açúcar. Foram cúmplices na escola, na rua e em casa e diziam os amigos e os familiares que só Virgínia, a mãe, os conseguia, de facto, diferenciar.
-Como faz dona Virgínia?
-Ora, olho para eles.
-Mas são iguais!
-Não são nada! Bem diferentes, até.
E depois testavam o saber da mãe:
-Qual é aquele ali?
-Aquele é Segundo.
E chamavam:
-Segundo!
E o rapaz virava-se.
-Xiii, dona Virgínia, como faz para saber?
-Já disse, olho.
-E o que vê diferente?
-Ora, Primeiro tem fogo e luz e movimento no corpo. Um sol que lhe sai dos olhos e ilumina o mundo. Segundo tem nuvens no olhar e um lago azul no corpo que ele empurra a custo.
-Xiii, dona Virgínia, isso não são coisas de ver.
-São sim, são coisas de uma mãe ver.

A areia branca da praia sob os pés, entra dois passos na água calma do Cuacua e fica com o rio pelo artelho, olha-o intenso, a luz da madrugada vem despontando por cima do azul transparente e límpido do Índico, a barriga redonda e grande, prestes a rebentar, sente falta do som da vela do dow ao vento, a água chapinhando o casco do barco, e diz para ele:
-Josué, leva-me no mar!
E ele levou, desceram com suavidade aqueles vinte quilómetros até ao grande oceano e assim que lá chegaram as ondas das águas que trazia no ventre sincronizaram-se com as do mar salgado, e foi sem destino e veio naquele bailado até à praia e quando chegou, sentou-se na areia e pariu. O sal da água ficou na pele da menina a que ela chamou de Estrela como a que estava semi-enterrada na areia onde o mar se vem deitar.

Ainda duas semanas não tinham passado, dormia ela com a criança em cima do peito, levava-a para todo o lado enrolada numa capulana que lhe passava por cima de um ombro, por baixo do outro e atava à frente, sob os seios enormes de leite de que ela, religiosamente, duas vezes por dia, tirava umas gotas e colocava no sexo da bebé, sem saber porque fazia aquilo, eram gestos que vinham de um tempo lá longe, antes de tudo o que ela conhecia, e Josué começou a querer partilhar o peito da mulher com Estrela, chegava-se a ela com o sexo empertigado e pedia, Dá para mim. Ela conseguiu escorraçá-lo durante uns dias, mas acabou cedendo nas intenções e, aproximadamente um ano depois de Estrela, nasceu Flora.
-Eh, mulher, só me dá meninas.
-Eh, homem, só me faz meninas.
Em Quelimane viviam poucos portugueses. A cidade era muito longe dos interesses. Eram meia dúzia de famílias e um viúvo que perdera a sua na guerra, mulher, filhos, irmãos, cunhados, sobrinhos, e resolveu cobrar à terra que levara os seus, a sua própria morte. Um homem austero e rigoroso, alto e fendido de rugas longas pelo rosto abaixo, que viu as meninas crescerem por ali com cestos de mangas à cabeça, caranguejos atados por cordéis, ananases pendurados em paus atravessados nos ombros e tudo o mais que duas crianças com pouco mais de dez anos pudessem tentar vender. O português nunca tinha tratado nenhum moçambicano pelo nome próprio. Usava tu para tudo. Resolveu mudar.
-Josué, essas meninas não vão à escola?
-Não tem como, senhor.
-Hão de ir. Manda lá para minha casa.
-Mas eu preciso…
-Eu pago.
E pagou. Pagou o tempo delas. Assim, Josué podia pagar a quem o ajudasse quando elas não estavam que era quase sempre pois que, embora haja notícias contrárias, a verdade é que a escola é coisa que requer muito tempo, muito trabalho e algum sofrimento. E pagou também as despesas com elas. E viu o seu investimento dar frutos. Mas não todos. Pouco antes de fazerem o exame da décima segunda classe, o português sentiu uma dor no peito, vazou mais um uísque para acalmar, recostou-se na cadeira e partiu deste mundo. Foi ter com a família que já lá estava.

Josué viu que as meninas tiveram boas notas. Agradeceu, no seu íntimo, ao português, e decidiu pô-las a trabalhar. Não foi bem sucedido na intenção. Por esses dias, apareceu em Quelimane um homem de fato escuro, pasta de cabedal castanho e papéis a saltar dela e a ditar a vida das pessoas. O português tinha morrido, mas continuava vivo. E esse homem foi batendo de porta em porta, em havendo porta para bater, ou chamando pelo nome das pessoas:
-Senhor Josué! Senhor Josué Nhangave!
-Josué Nhangave sou eu, o Senhor não mora aqui, está no céu.
-O senhor é pai das meninas Estrela e Flora Nhangave?
-Dessas e mais uns quantos que por aí andam.
-Temos de conversar.
-Ah sim? E porquê?
-O senhor Madeira…
-E quem é esse?
-O falecido.
-Ah, o português!
-O senhor Madeira.
-E quem é esse?
-O falecido.
-Ah, o português!
-O senhor Madeira.
-Madeira, agora que está num caixote, mas foi de carne e osso...
-Chamava-se Madeira.
-Por aqui toda a gente o chamava de português.
-Por ser de Portugal...
-Não. Por ser o nosso português de Portugal. O senhor também há de ser de Portugal e ainda não lhe chamei de português.
-Enfim, o senhor... o português deixou em testamento expressa a vontade de que meninas Estrela e Flora estudassem.
-E quem paga a vontade dele?
-O próprio.
-Mesmo depois de morto?
-Mesmo!
-Como assim?
-Pois, o dinheiro para a educação das meninas não lhe é entregue...
-Mas podia!
-Pois, mas o senhor Madeira, o português, deixou instruções precisas. Todos os meses se transfere uma importância para a conta das meninas...
-Conta? Senhor, a única conta que há cá em casa é a da mercearia e isso é porque a Faustina vende fiado.
-Senhor Josué, o importante é que o senhor saiba que o português me deixou a responsabilidade de gerir essa verba. Eu abrirei as contas para as meninas num banco, elas irão estudar e todos os meses eu faço as transferências. A única regra é que não podem reprovar, caso contrário, interrompem-se as transferências.
-Português sabido. E como é que o senhor sabe isso tudo? Acaso o português fala consigo do além?
-Não. Mas deixou tudo escrito. Há vários anos, de resto. Assim que as meninas passaram no exame da quarta classe.
-E não disse nada?
-Não sei. Pelos vistos, não.
-Porquê?
-Lá teria as suas razões...
-Português sabido! E elas vão estudar o quê?
-Elas devem saber a sua vocação.
-É?
-É!

E lá foram as duas para Maputo estudar contabilidade na Eduardo Mondlane e ainda o curso não estava acabado, já tinham propostas de trabalho que não puderam aceitar para não quebrar a regra do português defunto. Quando terminaram, a colocação foi rápida. Escolheram ambas o BCI. Podiam ter escolhido outra instituição, mas a farda do BCI, saia cinzenta, camisa laranja e uma chapinha com o nome do funcionário, fez a diferença. Estrela e Flora vivem bem. Ajudam os pais naquilo que podem e de quando em vez vão a Quelimane visitá-los, passear no rio Cuacua, tomar um banho de azul no mar, comer ananases irrepetíveis e a melhor mucapata do Universo. Da próxima vez que lá forem, levarão seus recentes namorados. Estrela namora com Primeiro e Flora com Segundo.

Tudo começou numa tarde de tédio. Primeiro via televisão. Segundo lia. O programa não era bom. O livro era técnico.
-Segundo…
-Sim, mano…
-Vamos sair.
-Onde?
-Vamos na Costa do Sol. Apanhamos um pouco de mar.
-Primeiro…
-Sim, mano…
-Sabe o que nos faz falta?
-O quê?
-Namoradas.
-Você não quer! Estou sempre a encontrar namoradas para nós e você não gosta de nenhuma.
-Primeiro, você não encontra namoradas, você providencia encontros fáceis com moças fáceis que têm dificuldade em pronunciar um dissílabo.
-Um quê?
-Vê? Vê? Nem você sabe o que é um dissílabo! A professora explicou.
-Quando?
-Na segunda classe!
-Xiii, mano, faz tempo, muitos anos, como é que eu ia lembrar?
-Eu lembro.
-Pois, mas você veio ao mundo para não esquecer nada.
-E você, Primeiro, veio ao mundo para quê?
-Para nos encontrar namoradas!
-E porque não encontra?
-Falta um plano.
-Não seja por isso.
Segundo puxou um caderno e traçou um plano original, tão original como o pecado na Terra. Iam andar com roupas de correr pela marginal acima e abaixo, para lá e para cá, e quando se cruzassem com duas amigas interessantes, seguiam-nas e metiam conversa invocando que tinham em comum o hábito de correr.
-Segundo…
-Sim, Primeiro…
-Você não tem o hábito de correr!
-E depois? Mero pormenor. Um detalhe… por uma namorada eu corro!
-Ela há de chegar láááááá na Aldeia dos Pescadores ainda você está no Naval.
-Primeiro, não brinque. Eu corro.
-Pronto, tudo bem. E quando vamos?
-Já?
-Já!

Primeiro não se enganou muito. Segundo era uma lástima na corrida. Ele ia e vinha, corria duzentos metros para lá e voltava para cá a buscar o irmão. Como quase sempre acontecera em toda a sua vida, vestiam de igual, ou quase igual, mas, não obstante a incrível semelhança física entre ambos, quem os olhasse de longe, havia de reparar na vitalidade com que um corria e na lentidão com que o outro se arrastava. Primeiro decidiu transformar os seus avanços em investidas exploratórias. Ele iria para a frente, procurava um par de moças interessantes e interessadas, voltaria correndo, preveniria Segundo para o encontro e exigia dele que produzisse, entretanto, aquelas frases geniais para captar a atenção das desconhecidas. Quando propôs isto ao irmão, a reação não podia ter sido melhor:
-Excelente ideia, Primeiro. Vá lá explorar que eu fico a congeminar frases fabulosas.

Estrela e Flora, como era hábito todas as manhãs e também ao fim-de-semana, vinham correndo pela marginal. Deixavam o carro no parque do Clube Naval, iam até à Costa do Sol e regressavam pelo mesmo caminho. Vinham já no último terço do percurso, quando se cruzou com elas um rapaz que ia em sentido contrário.
-Viu esse, Flora? Estava olhando para si.
-Eu acho que era para si, mana.
Ainda não tinham acabado de comentar a passagem dele, já ele estava regressando, ultrapassando-as.
-Flora…
-Sim, mana…
-Ou esse é Super Homem e foi lá na Costa do Sol e regressou em menos de um minuto, ou voltou por sua causa.
-Não me parece o Super Homem, Estrela, falta-lhe a capa. Mas foi por sua causa que ele voltou. Aposto que vai olhar para trás em menos de cinco segundos.
-Aposta fácil!
Enganaram-se as duas. O rapaz, não só não olhou para trás, como desapareceu no horizonte. Alguns momentos depois, viram-no voltar, mas trazia um igual ao seu lado.
-Flora…
-Sim, mana…
-Esse daí, se não é super homem, é milagreiro. Olha lá, ele foi um, vem dois.
-É, tem razão, Estrela, mas o clone dele é meio desajeitado a correr.
-É. Tão iguais e tão diferentes. Aposto que vão falar.
-Aposta fácil!
Eles passaram sem dizer nada.
-Como é, mana, não acertamos uma aposta com o Super Homem e o clone desajeitado?
Mas acertaram. Ainda mal tinham passado por elas, Primeiro e Segundo voltaram para trás.
-Segundo, agora precisamos da sua frase.
-Não se preocupe.
Os jovens correram, alcançaram-nas a custo, elas perceberam que eles se aproximavam, olharam para eles e Segundo, pleno de confiança, arriscou:
-Olá meninas, boa tarde, gostam de correr?
-Não. Fazemos isto por obrigação! Disse Estrela.
E arrancaram a correr, deixando-os para trás.
-Que coisa previsível!
-É mana, falta de originalidade.
Não tiveram tempo de comentar mais nada. Ouviram um estrondo e um grito e voltaram-se para trás.

Os irmãos tinham reagido de imediato trocando o passeio pela estrada por haver menos obstáculos e pessoas e acelerando o passo, Segundo, o desajeitado, tropeçou numa das inúmeras arcas congeladoras espalhadas ao longo da marginal repletas de Coca-Colas, Sprites, 2M, Manicas e tudo o que possa refrescar as agruras do calor à beira-mar, uma garrafa de Coca-Cola, dessas que ficam em cima das arcas anunciando o que por ali se vende, tombou e caiu ao chão, Segundo desviou-se dela e, ao fazer esse gesto, ficou mais dentro da estrada, vinha passando um chapa que, surpreendido pelo gesto súbito, não foi a tempo de emendar a rota e o espelho da Toyota Hiace embateu com estrondo nas costas de Segundo que se estatelou. Ficou de costas, a boca muito aberta da surpresa e os olhos a olharem o azul do céu como que a certificarem-se se era o céu dos vivos ou dos mortos. Primeiro acorreu de imediato e em pavor:
-Segundo, Segundo, meu irmão, você está bem? O que aconteceu?
-Acho que atropelei o chapa!
Estrela e Flora aproximaram-se. Flora, com a preocupação estampada no rosto, perguntou:
-Você caiu?
-Não. Estou aqui a admirar a vista!
Rebentaram todos numa gargalhada, mesmo atordoado, Segundo ripostara a tempo de fazer justiça ao que se havia passado há uns minutos atrás. Ela aconselhou:
-Vamos ao hospital!
-Segundo, ainda no chão, a recuperar lentamente todas as capacidades, não se conteve:
-Mano, não só chamei a atenção delas, como as fiz voltar para trás!
-Mas não era preciso quase morrer por isso!
Voltaram a rir e Estrela resolveu fazer as apresentações. Estendeu a mão e disse:
-Estrela.
-Primeiro.
-Primeiro o quê?
-Eu sou Primeiro.
-Estamos fazendo uma corrida?
-Não. Meu nome é Primeiro.
-Primeiro do que o meu?
-Xiii, sempre a mesma coisa! Eu me chamo Primeiro! Primeiro é o meu nome!
-Não diga! E o clone desajeitado é o…
-Segundo.
-Minha nossa! E tem um terceiro?
-É, tem… mas não se chama assim…
-Perderam a conta…
-Mais ou menos isso…
Flora interrompeu:
-Eu sou Flora e acho que devemos levar o seu irmão ao hospital.
Apanharam um táxi e foram. Não havia nada de mais. Ao cabo de umas horas de espera, já tinham conversado o suficiente para que a disposição de Segundo estivesse ótima e, a haver alguma coisa grave, já se teria anunciado. Como não anunciou, decidiram ir esperar para a esplanada do Mundus que é ali perto. E, ao fim da noite, percebia-se claramente que o caráter mais expansivo e resoluto de Estrela pendia para a determinação de Primeiro, enquanto que o recato e a prudência de Flora se inclinavam para o tipo reflexivo de Segundo. E os casais ficaram feitos. Seleção natural. E muito tempo assim duraram e durariam mais tempo ainda não tivessem eles decidido trocá-los!

Estrela está atravessada na cama com a cabeça assente numa mão e o cotovelo espetado no colchão. As longas pernas negras oferecem a sua beleza ímpar ao primeiro homem que entrar pela porta do quarto e a vir semi-nua, só com a lingerie estonteante. Esse homem será Primeiro. Chega do trabalho, coloca a chave na porta, entra, ela pressente-o e chama-o, ele sente o odor do incenso no ar, a tarde cai, há só dois ou três candeeiros de pé acesos, a casa está à meia luz, ele percebe, precipita-se para o quarto e quando a vê nem se apercebe que ela disse, Vem cá meu homem, vem ser o meu Primeiro, atira-se a ela à medida que se despede das roupas, beija-a avidamente na boca e incendeia os seios dela com a sua língua voraz e ardente, procura-lhe o ventre e lambe-o com volúpia, coloca-a de quatro, procura-lhe a carne rosada por entre o ébano da pele e quando a encontra, enterra-se nela, segura-lhe as ancas, movimenta-se em ritmo vigoroso, derrama-se nela e dez minutos depois adormece a seu lado.

Flora seria incapaz de esperar semi-nua em cima da cama por Segundo. Combinaram entre si que quem chegasse primeiro a casa adiantaria o jantar e é o que ela está fazendo. Segundo entra, pousa as chaves, vai à casa-de-banho, aproxima-se dela por trás e beija-lhe o pescoço. Trocam impressões sobre o dia de ambos, sentam-se na sala a ler um pouco e quando Flora pressente a hora de se irem deitar, levanta-se, vai à casa-de-banho fazer a sua higiene, veste o pijama e entra na cama. E é lá que está quando Segundo chega, poucos minutos depois. Deita-se, apaga a luz e começa a sua longa e demorada sinfonia. Dá-lhe beijinhos pequeninos atrás da orelha, depois beijos gordos e generosos no pescoço, as suas mãos percorrem-lhe o interior das coxas, a língua dele procura a dela e as mãos sobem aos seios que ele acaricia com suavidade, e beija-lhos, e deixa-os humedecidos, e desce ao ventre que beija devagarinho, e brinca com o sexo dela e segura-lhe uma mão e tocam-no juntos e quando ela já arqueia o corpo de desejo e solta pequenos gemidos, Segundo deita-se sobre Flora e penetra-a devagarinho e é devagarinho que fica fazendo amor com ela e fica cuidando do seu corpo de mulher jovem enquanto os minutos voam. É já tarde quando explodem em uníssono e os seus corpos vibram de êxtase. Depois, Segundo recosta-se na cama, acolhe a cabeça dela no seu ombro e pergunta:
-Gostou?
-Hum, hum…
E ficam conversando a intimidade até adormecerem nos braços um do outro.

Desde que não estivessem a correr, Primeiro e Segundo eram mesmo muito parecidos. O mesmo formato da cabeça, o mesmo olhar, o mesmo jeito de inclinar ligeiramente o tronco para a frente, as mesmas mãos largas e suaves, até a voz era praticamente igual. Quando estavam no trabalho, a caminho dele, num almoço de amigos, numa viagem de lazer, havia sempre alguém que, dirigindo-se a um deles, perguntava:
-E qual é você?
A verdade é que eles gostavam da confusão e encorajavam-na, ora usando as mesmas roupas, ora dizendo as mesmas frases, ora trocando papéis propositadamente para confundir as pessoas. Em pequenos pormenores do quotidiano, chegaram mesmo a reparar que até Estrela e Flora tinham momentos de hesitação. E foi por causa de uma dessas hesitações que tudo começou. Estrela aproximou-se de Segundo julgando que era Primeiro, abraçou-o por trás, beijou-lhe o pescoço e disse:
-Está tranquilo, meu bem?
-Muito tranquilo. Disse Segundo estremecendo.
-Espero que sim. Esta noite estou contando consigo.
Ele não lhe disse que era o irmão errado, não foi capaz. Mas contou a Primeiro:
-Mano, no outro dia sua namorada me abraçou e me beijou.
-Como?
-No pescoço.
-Não é isso, como é que ela fez isso?
-Ora, pensou que eu era você. Chamou-me Primeiro.
-E você aproveitou, seu safado!
-Não. Mas tive uma ideia.
-Você e as suas ideias…
-Mano, preste atenção. As relações sempre se desgastam, as pessoas sempre se cansam e as relações começam a ser vítimas da rotina e a definhar e depois morrem e há traições e problemas… ora, quem sabe se nós não temos aqui a solução… de vez em quando, sei lá, quando um de nós andasse num momento da relação mais aborrecido, podíamos trocar.
-Quê?! Você é maluco!
-Não concorda?
-Claro que concordo! Mas elas vão reparar.
-Não vão nada.
-Como não vão nada?
-Eu explico. No dia combinado, saímos de casa exatamente com a mesma roupa, meias, cuecas e perfume incluídos.
-Nós já usamos o mesmo perfume.
-Eu sei, foi só para avisar.
-E…
-E à noite cada um regressa para casa do outro. Só temos de partilhar alguma informação sobre elas, o que elas gostam, você sabe… no ato da intimidade, os planos do casal, do que elas andam a falar… que me diz?
-Que você é um maluco chapado! E um génio. Vamos lá trocar namoradas.
-Não, mano, não é trocar namoradas, é trocarmos um ao outro.
-E não é a mesma coisa?
-Tecnicamente não.
Nos dias que se seguiram, Primeiro e Segundo conversaram mais um com o outro do que com as próprias namoradas. A caminho do trabalho, no trabalho, pelo telefone, à noite, trocaram e-mails e lá se iam informando intensamente acerca dos hábitos delas. E assim se urdiu e preparou o plano. E foi como a seguir se conta que se pôs em prática.

Saíram de casa pela manhã. No trabalho trocaram as chaves dos carros e das casas e as carteiras com os documentos e quando a tarde caiu dirigiram-se para a sua escapadela amorosa de dissimulação.

Primeiro conhecia bem aquela entrada, aquelas escadas, aquele elevador que só parava nos pisos ímpares. O facto é que, quando os dois casais decidiram juntar-se, Primeiro e Estrela ficaram na flat que era delas e Segundo e Flora foram morar na flat que era dos rapazes. E é por isso que não há para ele qualquer efeito de estranhamento. O que está fazendo, fingindo, fez muitas vezes a sério. Mas não se engana, hoje leva um fogo no peito, uma palpitação e uma antecipação. Não pode negar, pelo menos a si próprio, que já tivera uns pensamentos atrevidos envolvendo a namorada do irmão. Ficara-se por aí, contudo. Ora, a ideia de Segundo viera reanimar esse desejo. Chave na porta, porta aberta, chaves no aparador, Boa noite, amor, casa-de-banho, cozinha, aproxima-se por trás e beija-a no pescoço, estremece, ela vira-se, olha-o nos olhos e diz, Bem-vindo, meu amor, e beija-o longamente. E enquanto o beijava, ele saboreava o beijo e repetia para si próprio, Devagar, devagar, devagar, nada de pressas. E controlou a sua voracidade. Por momentos. Jantaram e Primeiro esperou que ela se fosse deitar, mas sempre foi dizendo que estava cansado a ver se a apressava com subtileza. Não resultou. Flora estranhou que, nessa noite, ele visse televisão em vez de ler, ainda por cima canais de desporto, mas pensou que eram assim os homens, volúveis e instáveis. E tinha razão. Foi-se deitar. Fechou-se na cama após a higiene e pouco depois, Primeiro, feito Segundo, chegou ao pé dela e lembrou-se das palavras do irmão, Com calma, mano, muita calma, com carinho, com ternura, e pensou que seria assim, com carinho, ternura e calma. Acontece que, após os primeiros beijos no pescoço, depois de trocarem as línguas e assim que Flora lhe ofereceu os seios à visão e ao tato, Primeiro começou a arfar, lambuçou-lhos com vigor, abocanhou-lhe o sexo como se o fosse engolir, pô-la de quatro, segurou-a pelas ancas e cavalgou-a como num filme de cobóis e adormeceu dez minutos depois. Flora, surpresa, pensou que o seu gentil e amoroso namorado se tinha transformado numa locomotiva e, porque é mulher inteligente e sabida,  ocorreu-lhe que talvez ele estivesse tendo outras experiências e foi quando pensou nessa possibilidade que se lembrou, E se sou eu quem está tendo outras experiências?!

Segundo, já de si propenso aos nervos, estava mais nervoso do que nunca. Tremia das mãos e estremecia do coração. E levava aquela ideia colada na mente, Ser enérgico, ser enérgico, ser enérgico, você é que comanda. Chave na porta, dá meia volta, outra meia, ainda, cheira-lhe a caril de amendoim, entra e diz, Boa noite! Estrela apressa-se na resposta, Boa noite? Não tem beijo hoje, não? Claro que tem! Avança para ela que está de volta dos tachos, dá-lhe uma palmada no rabo com a convicção que consegue inventar, roda-a para si e beija-a longa e ternamente. Juntou alguma sofreguidão ao beijo. A suficiente para ela não desconfiar. Jantaram. Estiveram na sala. A certa altura, ela levantou-se e disse:
-Vou dormir. Você vem para o quarto?
-Claro. Claro que vou para o quarto. Me aguarde.
Ela estava a despir-se quando ele entrou e começou a despir-se também.
-Primeiro…
Fez-se um silêncio. A verdade é que Segundo não estava habituado a ser tratado por Primeiro. Estrela levantou a voz e ele acordou:
-Primeiro!
-Sim, amor…
-Então? Você não me vai atacar?
Outro silêncio. Apesar das conversas com o irmão para preparar este encontro, Segundo não sabia bem o aquilo queria dizer. Respondeu com uma pergunta:
-Atacar?
-Claro. Ser minha locomotiva. Arrasar este corpo de pecado…
E já não acabou a frase. Ele atirou-se a ela, beijou-a na boca, acariciou-lhe os seios desnudos com os lábios, com um puxão firme e seco arrancou-lhe as cuecas diminutas e atirou-a para cima da cama, mas todo aquele impulso frenético se acalmou assim que a viu de costas sobre os lençóis. Estrela era uma mulher bonita e pujante, uma fonte de prazer, e ele queria bebê-la, não secá-la, tomá-la gota a gota, não atacá-la, e quase sem se aperceber dobrou o seu corpo sobre o dela, beijou-lhe o pescoço, atrás das orelhas, passou-lhe uma mão pela testa e beijou-lhe as faces devagarinho, depois os lábios, as mãos dele procuraram uma floresta e encontraram um pequeno arbusto e deixou-se ficar a acariciá-lo e tocou-lhe os mamilos muito ao de leve com a língua e foi com ela que lhe incendiou o ventre e o sexo e quando entrou nela, já ela o estava ansiando. Estrela estranhou todo o delicioso tratamento, mas o que mais a espantou foi o facto de ele não ter caído para o lado a dormir. Deitou-se, recostou a cabeça dela no seu ombro e perguntou:
-Gostou?
-Hum, hum.

O dia amanheceu claro e brilhante, o sol nasceu lá longe, para lá da Xefina, emergiu do mar azul e pendurou-se no céu a iluminar Maputo. Quando se encontraram, nenhuma delas sabia se haveria de falar. Flora, por prudência e timidez. Estrela, por ter medo de estar com razão. Ela sabia que a obra de arte da noite anterior não fora da autoria de Primeiro, mas não se importaria de ser enganada outra vez. Acontece que o apelo fraterno foi mais forte. Segurou as mãos de Flora entre as suas e perguntou-lhe:
-Tudo bem consigo?
-Claro. E consigo?
-Tudo bem. Me diga, mana, como estava Segundo ontem?
-Estava… arrasador.
-Como?
-Não interessa… e como estava Primeiro?
-Normal. Tudo bem, Graças a Deus.
-Safada! Você gostou! O meu desajeitado é melhor do que a sua locomotiva!
-Ai mana, será que eles…
-Claro! Até uma cega via! Me diz como foi ele?
-Divinal. O melhor de sempre. Que sedução! Que carinho! Você ficou com o melhor dos dois nesse departamento. Quem diria que esse desajeitado a correr teria tanto jeitinho… e Primeiro, como foi?
-Tentou parecer-se com Segundo, mas acabou a atropelar-me.
-Mana Flora…
-Sim, Estrela…
-Devíamos estar zangadas com eles.
-E estamos!
-Então porque falamos com essa calma sobre o assunto? Nós dormimos com o namorado uma da outra!
-Sei lá. Acho que por duas razões. Primeiro porque isso é uma coisa que se espera dos gémeos, nossa, eles até as doenças partilham! E depois porque talvez também nós desejássemos essa troca secretamente.
-Você quer trocar comigo?
-Não! Eu referia-me a experimentar trocar, por uma vez. Sabe, Segundo é inconfundivelmente melhor amante, mas não me importo de ser atropelada uma vez por outra.
-É, acho que tem razão. Eu prefiro a energia de Primeiro, mas esse mel de Segundo, de vez em quando, para quebrar a rotina, cai muito bem!
-Mas… mana…
-Sim, Flora…
-Há um pormenor…
-Qual?
-Esses dois acham que nos enganaram.
-Você acha que eles pensam que nós não reparámos?
-Claro! Caso contrário teriam revelado.
-Xiii, safados! Como assim? Eles não são nem parecidos na cama.
-Nem um pouquinho. O que fazemos em relação a isso, Estrela?
-Xiii, nem sei… espere lá, esses dois podiam levar uma lição…
-Como assim?
-Me oiça com atenção…

Dois meses passaram até que o episódio da troca de namoradas se começou a esfumar no tempo e os rapazes baixaram a guarda, descansaram a desconfiança e as cautelas e pensaram que a troca tinha funcionado. E foi por essa altura que as mulheres de Quelimane resolveram dar uma lição aos homens de Maputo.

Primeiro vem cansado. Coloca a chave na porta e abre-a. Ao entrar, sente o cheiro da comida pairando no ar e a azáfama de um dia de trabalho começa a ser vencida pelo acolhimento do lar, apressa-se para a cozinha, quer os lábios de Estrela, e quando lá chega encontra Flora.
-Olá, você por aqui?
-Sim. A mana pediu. Coisa chata. Ela hoje vai ficar até muito tarde na agência. Talvez só chegue daqui a umas três ou quatro horas de tempo.
-Então? Algum azar?
-Não. É um inventário. Coisa séria. Têm de estar incontactáveis e tudo.
-E você?
-Deixei Segundo comendo. Ele vai dormir já, já, também está cansado e eu prometi à mana que tratava de si.
-De mim? Disse ele com a interrogação no olhar e a insegurança na voz.
-É, eu disse que vinha-lhe fazer o jantar, mas... - avançou para ele com olhar sorrindo, mordendo o lábio inferior, e as ancas baloiçando um pouco mais do que a conta - se você precisar algo mais é só dizer. Não quero que lhe falte nada… nadinha mesmo. E pousou-lhe um dedo sobre o nariz que deixou escorregar para os lábios dele.
-Mas… Flora, tenha calma, sua irmã, ela vai-se zangar… afinal, nós somos cunhados, quer dizer, uma espécie de cunhados…
-Ai é? E no outro dia quando você me atropelou nós éramos o quê?
-Quando eu o quê?
-Quando você entrou em minha casa, me beijou, me atropelou e me fez sua…
-Você sabe?
-claro que eu sei! Estrela não reparou, acho que seu irmão é melhor imitador. Acontece que eu, não só notei a diferença, como adorei… você é uma máquina sexual, uma bomba orgásmica!
-Ai sou?
-É! E eu quero disso! Muito. Todos os meses. Que estou a dizer? Eu quero você todas as semanas!
-Mas…
-Mas nada. Ou isso, ou conto para ela!
Beijou-o na boca enquanto lhe apertava o sexo mostrando-lhe quem estava no comando. Quando terminou o beijo, virou-lhe costas em direção à porta de saída e disse:
-Coma o seu jantar. A festa começa amanhã!

Segundo chegou a casa, nessa mesma noite. Chave na porta, o odor da comida a invadir-lhe o cérebro, levanta o nariz, inspira fundo o cheiro da sua casa e do seu jantar, sorri e fecha os olhos. Está assim quando ela se aproxima por trás, tapa-lhe os olhos com as mãos e diz:
-Xiiiiiiiiu!
Coloca-lhe uma venda, leva-o para o sofá, senta-o, faz-lhe uma massagem nos ombros e depois vem escancarar-se no colo dele, passa-lhe uma mão pelo sexo e beija-o longamente. Durante o beijo, ele estranhou alguma coisa, tirou a venda com brusquidão e:
-Estrela! Você?
-Porquê o estranhamento? Não lhe sou familiar?
-Como assim?
-Ora, como assim? Acha que eu não notei sua surpresa naquela noite?
-Notou?
-Claro! Você é um poço de mel. Sem fundo! Não há igual a você. Segundo, só no nome.
-E sua irmã? Deve estar a chegar…
-Não. Hoje está de inventário. Vem bem tarde… dá tempo para a gente combinar…
-Combinar o quê?
-Ora o quê? Quando nos vamos ver, onde nos vamos ver, quantas vezes nos vamos ver…
-Mas, Estrela, isso é impossível. Aquilo foi uma brincadeira. Uma vez sem exemplo.
-Pois olhe que, para mim, você foi exemplar! Flora nem notou a diferença.
-Não?
-Não.
-E agora?
-E agora eu estou viciada em seu mel, sua doçura, e vou querer ela para mim, para sempre.
-Sempre?
-Pois, quer dizer, para sempre também não. Todas as semanas!
-Como? Todas quê?
-Semanas.
-Mas… mas…
-Mas nada. Ou isso ou conto para ela.
Caiu sobre ele, beijou-o um beijo lânguido e demorado, encostou os seios aos nariz dele e, súbito, saiu de cima dele, pegou na mala e dirigiu-se para a porta.
-Xau, meu doce, até amanhã!
-Amanhã?
-Amanhã!

Foram vinte e quatro horas infernais. Nem Primeiro, nem Segundo sabiam se haveriam de dizer um ao outro, queriam estar com elas, mas não obrigados e, mais certo do que tudo, não podia permitir, nenhum deles, que a sua própria namorada soubesse que a sua irmã estava viciada e que tudo começara… ah… se arrependimento matasse! Passaram o dia taciturnos, a murmurar respostas desencontradas com as perguntas, a não ouvir o que lhes diziam os colegas e até os chefes, o que custou a Segundo a primeira reprimenda da sua vida profissional. As suas mentes vaguearam na indecisão, sem saber que opção tomar. A brincadeira da troca tinha-lhe saído cara, pensara cada um por si. Segundo foi o primeiro a decidir-se. Ligou a Estrela.
-Olá.
-Olá.
-Estrela, hoje não vou poder.
-Nem se atreva! Flora está aqui ao pé de mim. Quer que ela saiba?
-Não! Não! Quer dizer, não sei… mas não posso… não sei como iludir meu irmão, muito menos minha namorada… Estrela, me desculpe! Me desculpe! Eu imploro seu perdão! Foi uma brincadeira de mau gosto.
-Mau gosto? A mim, soube-me muito bem, cunhadinho…
-Fique séria, Estrela, por favor.
-Eu estou séria, machão, e você está onde eu queria! Me guarde. Vou-lhe dar um sinal ainda esta tarde.
E desligou-lhe o telefone na cara.

Primeiro aguentou-se um pouco mais. Quando resolveu ligar a Flora, tinha um plano. Não lhe apetecia bater em retirada ainda que lhe apetecesse retirar-se.
-Olá.
-Olá.
-Flora, meu amor, estamos combinados para hoje, certo?
Ela estremeceu, mas não se mostrou abalada:
-Claro que sim. Não falte!
-Pois... isto está um pouco complicado no trabalho, mas quero ver se não falho…
-Safado! Quer ver? Quer ver? Eu é que quero ver você nos meus braços, hoje! Ah, e… Primeiro…
-Sim…
-Descarte-se de seu irmão!
-Mas, Flora, o que você pede é impossível.
-Ou fica possível, ou conto para ela.
-Não. Isso não. Flora, me perdoe!
-Como? Não se está ouvindo bem, acho que não tem sinal…
-Perdão! Eu peço perdão. Me perdoe aquela brincadeira tola. Fomos um pouco longe de mais…
-Um pouco longe? Se bem me lembro, você foi bem fundo! E eu adorei. E agora quero mais!
-Flora…
-Me aguarde. Vou-lhe dar sinal ainda esta tarde.
E desligou-lhe o telefone na cara.

Poucos minutos depois estavam as duas mulheres de Quelimane na rua contando palavra por palavra as conversas ao telefone, as súplicas deles, e riam, riam como há muito não se lembravam de rir.
-Flora…
-Sim, mana…
-Que fazemos com esses dois?
-Tenho uma ideia…

Daí a momentos, cada um deles recebeu uma mensagem de SMS da cunhada combinando um copo no Mimmos da 24 de Julho. Elas foram juntas e estacionaram o carro no separador da avenida de frente para o restaurante e ficaram a vê-los chegar. Primeiro tinha-se descartado de Segundo, Tenho de ir ter com a minha dama. Segundo deixou-se descartar e considerou aquilo uma bênção dos céus. Ainda respondeu, Eu também tenho o que fazer lá em casa. Sabe como é, manutenção. Segundo chegou primeiro. Sentou-se e esperou por Estrela. Quando viu chegar Primeiro, ficou sem pinga de sangue.
-Mano, você aqui? E sua dama?
-E sua manutenção?
-Decidi parar aqui para uma geladinha
-É. E já não gosta de uma geladinha comigo?
-Gosto, mas você disse que ia para casa?
-E ia, mas não fui… oiça, Segundo, precisamos falar…
E ia continuar quando se aproximaram duas figuras femininas que não precisavam de apresentação.
-Podemos saber o que estão os senhores aqui a fazer?
-Ah… nós…
-Mana Flora, acho que estes dois devem estar a preparar alguma…
-É, mana Estrela, devem estar a pensar em engatar duas irmãs para depois as trocarem na cama!
-Flora, nós... eu…
-Cale-se! Mana Estrela, qual é o seu?
-Nem sei bem, mana Flora… acho que é esse machudo aí da esquerda, mas ultimamente isso varia com os dias.
-É? Consigo também?
-Verdade…
-Pois o meu devia ser aí o desajeitado jeitosinho da direita, mas ultimamente ele vira locomotiva de vez em quando…
-Meninas, por favor…
-Por favor? Você disse por favor? Não queria dizer outra coisa?
E eles curvaram-se, desculparam-se, desdobraram-se em explicações, que fora uma brincadeira, uma ideia maluca, uma coisa para não se repetir, e quando a situação roçava a humilhação, elas decidiram aceitar as desculpas, Flora dirigiu-se propositadamente a Primeiro e pegou-lhe por um braço, Estrela fez o mesmo com Segundo.
-Vamos, meninos. Para casa que se faz tarde!
Segundo ainda disse:
-Mas… nós estamos trocados!
-Não estão nada. Hoje fica assim!
-Hã?! Assim?! Vocês vão-nos trocar na cama outra vez?
-Cama? Quem falou em cama? Hoje, vocês vão cozinhar para nós!

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