Crónicas de África - Flores para P!
Maputo, 27 de novembro de 2012
Para quem possa saber do que estou a falar, importa, antes de mais, referir que a P. está bem, felizmente.
Serei reservado como é hábito, mas há um pormenor desta história que me marcou pela generosidade. E é esse pormenor que vou relatar-vos.
A instituição onde trabalho, em Maputo, recebeu uma delegação do MEC em visita oficial. Nessa delegação vinha a minha amiga P. e quando nos vimos trocámos um longo abraço a matar as saudades todas. As dela e as de todas as pessoas que por ela tinham enviado cumprimentos e força e beijinhos. A P. andou bem, desempenhando as suas funções com competência e elegância como é costume e depressa se percebeu que se integrava com facilidade num país muito diferente ainda que por meros cinco dias.
Ontem, contudo, o azar bateu à porta. Entre duas reuniões teve de baixar ao hospital com um problema de saúde súbito e ficar internada. A coisa resolveu-se graças à qualidade do atendimento e à celeridade com que foi socorrida. Pois, aqui não corre tudo mal! À noite, depois de uma anestesia geral, já podia receber amigos. O J. fez a simpatia de me informar e combinámos encontrar-nos no hospital os três, a D. o J. e eu.
No caminho para o hospital pensei em levar-lhe umas flores. Não conseguia imaginar uma situação muito pior do que uma pessoa estar afastada de casa e da família e, de repente, o organismo pregar-nos uma partida longe de todos aqueles que nos são próximos e constituem o nosso suporte de vida. Por isso, achei que os amigos ao pé dela e o carinho de umas flores poderiam atenuar.
Nem de propósito, enquanto cruzava a avenida Julius Nyerere, lá estava um dos muitos rapazes que vendem ramos de flores pelas ruas e avenidas de Maputo. Era noite. Mesmo assim, encostei o carro e chamei-o. A ideia era saber se tinha algumas que eu pudesse comprar porque saíra de casa a correr e só levara comigo cem meticais (mais ou menos 2,70€):
- Quanto valem?
- Estas duzentos e estas trezentos.
- Ok. Desculpa lá incomodar-te, mas não tenho dinheiro.
- Quanto dás?
- Não dou nada. Não tenho dinheiro. Só levo aqui cem meticais.
- Oh boss, sobe lá um pouco.
- Até subia, mas não tenho, vou ver uma pessoa ao hospital...
- Hospital? Toma, leva.
- Toma lá os cem...
- Não quero, leva assim...
- Ai queres, queres...
E fiquei ali uns minutos até o conseguir convencer a receber o dinheiro. Ora, se tivermos em conta que estas pessoas precisam mesmo, o que aquele rapaz fez na noite de Maputo foi ao abrigo de valores que estão acima de todos os comércios. A solidariedade e o apoio aos fragilizados é um código que, felizmente, ainda vai sendo válido por esse mundo fora incluindo a noite de Maputo.
E lá paguei ao rapaz numa cena muito pouco habitual que foi o vendedor a tentar não receber o dinheiro e o comprador a obrigar o vendedor a cobrar. Trocámos papéis e valeu a pena. A P. abriu um sorriso largo quando as viu e o seu rosto iluminou-se de acolhimento.
A P. está bem. Dois dias de repouso e pode regressar a Portugal com a memória de uma visita diferente. Com trabalho, com percalços, com um atendimento fantástico e... com rosas perfumadas de generosidade.
jpv