Dar as Mãos

[Como já se suspeitava, confirma-se a existência da doença das vacas loucas também nos E.U.A. Atinge um ponto alto a discussão nos media acerca dos reality shows. Saddam Hussein é capturado e feito prisioneiro.

[Data da primeira publicação: 26 de Dezembro de 2003]

Dar as Mãos
Querida mana,

Aqui sentado, confortável, de lume crepitando conforto, de família conversando aconchego, lembro, num relâmpago que me atravessa a memória, os Natais todos, todos os risos, as vozes todas altercadas, todas as vontades em uníssono e… todas as mãos todas. O pai apertava as mãos com a franqueza e a força de quem se entrega de cara e coração abertos, era uma força que, parece, ainda se sente. O avô abraçava como quem tem tudo para dar mesmo que fosse pouco. O tio Toneca apertava-nos as mãos com as duas mãos, a enchê-las como que a querer sentir-nos melhor. As mãos da mãe eram quentinhas e macias como são as mãos de todas as mães para os filhos todos. A avó não tinha mãos a medir que lhe não cabia nelas tudo o que sentia, tudo o que queria para os seus. A tia Geralda vivia o nosso Natal como se fosse o dela. Era um dar, um adivinhar os nossos pequenos grandes anseios só para fazer feliz a pequenada. De todas as particularidades recordo, sobretudo, o afazer das mãos, os gestos pequenos e os grandes, a forma com se abriam, cerravam, a forma como recebiam e se entregavam e, sorte a nossa, como, sempre prontas, davam.

E foi neste crescer que crescemos, foi neste amor que amámos. E fica-nos, agora, a responsabilidade de continuar as coisas simples como se fossem as mais importantes, as coisas rápidas como se fossem as mais demoradas, de trocar os olhares, de orientar as mãos e o que fazemos com elas. Sabes mana, creio bem que a importância dos nossos gestos não é solteira. É sempre o casamento do que eles representam para nós com o que significam para os outros. A bem dizer, os nossos gestos, de facto, não são nossos. Partem de nós, crescem nas intenções que lhes emprestamos, evoluem na capacidade que temos para os empreender e depois soltam-se do que queríamos com eles e vivem na forma como os outros os observam, como os interpretam e, inapelavelmente, nos juízos que formulam sobre eles e sobre nós enquanto seus autores. Verdade é que a forma como pensamos o mundo é muito umbilical, palavra simpática e suficientemente hábil para iludir o egoísmo, e assim pensamos que agimos de nós para nós. Mas não. Agimos de nós sempre para os outros até não sabermos onde. É por isso que, em tempos de Natal, julgo importante lembrar que o importante é dar as mãos. Gesto simples e ancestral que, dizem, começou no hábito antigo de mostrar as mãos livres de armas em sinal de paz e não agressão, clarificar de intenções, aproximação, aperto das mesmas e, para os mais entusiastas, o abraço, esse aperto de mão com o corpo todo.

Venho, por isso dar as mãos contigo, começar uma corrente humana que desejo continue nas famílias todas e em todos os lares. Simples e eficaz, de mim para ti, para o mundo, hoje, para sempre. O gesto dos gestos, o exemplo. O educar os pequenos de hoje a dar as mãos amanhã, como fizeram connosco na idade embrionária do homem que hoje te escreve para dar-te as mãos. Sem querer roubar ao verdadeiro autor destas palavras o jogo metafórico que elas implicam eu diria que esta é a altura de pormos “a mão na mão”.

Um beijo de mão dada

Mano.

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