Doze Passas

[Desmultiplicam-se os apoios, vindos de todo o mundo, para com as vítimas do Tsunami que atingiu em finais de Dezembro a Ásia. O número de vítimas calculadas sobe para uns incríveis 200000 (duzentos mil!!!). Portugal anuncia a retirada de seus soldados do Iraque. Assina-se o acordo de Cooperação Económica entre Portugal e China. Assinatura do Tratado de Amizade e Cooperação entre Portugal e Argélia. Terremoto de 4,1 graus na escala Richter na região sul de Portugal.

[Data da primeira publicação: 14 de Janeiro de 2005]

Doze Passas
Querida mana,

Ultimamente, por uma qualquer razão ainda não consciencializada, tenho cedido ao impulso de indicar-te o dia em que me sento para escrever-te. Deve tratar-se de uma insondável necessidade de marcar a ferros, a fogo e a vontade de persistir a minha passagem pelo tempo dos nossos dias. Penso que todos os homens, ao menos uma vez na vida, sofrem de tal necessidade. Acomete-nos a dita quando nos apercebemos, com clarividência, da efemeridade de passarmos por este mundo. Hoje é dia 1 de Janeiro de 2005. O dia, só por si, pelo mundo de simbologias que carrega consigo dava assunto para uns quantos mails, teses de mestrado, doutoramento, dissertações diversas. A mim, serve-me, apenas, para usufruir da bruma de paz que envolve as árvores lá fora, para deixar passar o tempo sorvendo a tranquilidade do momento que, infelizmente, não é para todos os humanos, longe disso.
Sentado na cama, com o portátil no colo, contemplando a mulher de todos os momentos, de todas as alegrias e das dificuldades todas, descansando a meu lado, lembrei-me das doze passas que ontem comi no momento em que, no tempo do tempo dos homens, acordámos que fenecia um ano e nascia outro. Como sabes,não sou supersticioso. As minhas crenças na superstição não vão além do bater três vezes na madeira antes do Simão Sabrosa cobrar um livre directo para o Benfica o que, em abono da verdade, não tem servido de muito. Voltemos às passas. O primeiro problema que se me pôs foi se deveria comê-las uma a uma, como manda a tradição, ou engoli-las todas. Traí a tradição. Acho que este nosso Portugal e esta nossa Humanidade andam a fazer tudo com medos e prudências exageradas. Andamos todos com medo que algo corra mal e a vida acabe quando o mais certo que temos, consultados todos os tratados de filosofia e lidas todas as bíblias, é que a vida encontra sempre um caminho, uma saída, um trilho de luz. É chegada a altura, mana, de vivermos o bem e o mal, de caminharmos em frente, de sorvermos a vida como se cada momento fosse o último que o pode ser de facto! É essa a grande vantagem da condição humana, é esse o grande milagre da nossa existência: cada momento do devir é uma surpresa de vida! Nem mesmo os Deuses, pagãos, cristão e de outros credos têm essa benesse de uma vida continuamente suspensa no milagre do seu curso.
Assim, comi as passas todas à uma, como se tivesse a escolher viver nesta vida as vidas todas de que for capaz. E que desejei eu por elas? As coisas mais simples e fáceis de conquistar… se o Homem quiser!

Uma passa: que cada homem, no próximo ano, ao dirigir-se a um semelhante, o faça com amor nas intenções e verdade no coração.

Duas passas: que cada homem dê um passo pequeno ou faça um pequeno gesto para diminuir o sofrimento de um semelhente seu desde os sem-abrigo em Lisboa, às crianças doentes e famélicas no mundo inteiro passando, claro, por aqueles que sofrem na Ásia as consequências da devastação desse fenómeno natural que julgávamos só habitar os filmes de ficção americanos mas que, infelizmente, deixou de ser um efeito especial para ter efeitos reais.

Três passas: que a tecnologia que dominamos seja por nós dominada noutras direcções para além do armamento, das bombas, da destruição de nós mesmos. Que a continuemos a dominar, sim e sempre, mas, por exemplo, para fazer andar os que não andam, ver os que não vêem, tratar os que sofrem das maleitas da moda…

Quatro passas: que o poder político, humano que é, se oriente no sentido do entendimento das “pólis”. Dito de outro modo, que os homens de fato cinzento falem menos e façam mais e melhor.

Cinco passas: que saibamos orientar os excedentes de produção onde os há, porque os há, para onde possam suprir necessidades.

Seis passas: que todas as religiões se unifiquem num só propósito com um só sentido: trazer a tranquilidade espiritual e a vontade de bem fazer e de fazer por bem a toda a Humanidade.

Sete passas: que a saúde e a educação passem a orientar a política económica e não a serem orientadas por ela.

Oito passas: que a justiça social oriente o quotidiano dos homens e não viva ao sabor do que ele traz.

Nove passas: que os dias especiais como o Natal, o dia da Mãe, o dia do Pai, o dia do Professor, o dia da Água, o dia da Mulher, deixem de ser especiais porque passaram a ser todos os dias.

Dez passas: que as crianças sejam instituídas como o primeiro e mais importante património da Humanidade.

Onze passas: que se fundem muitas famílias e que todas as famílias cresçam e prosperem unidas na certeza de que a família é o primeiro de todos os valores da Humanidade.

Doze passas: que a nossa família assista com saúde, união e prosperidade a tudo isto no ano de 2005.

Como vês, mana, não sou um indivíduo de superstições nem de impossíveis. Não desejei nada que dependesse de entidades superiores, divinas. Nada desejei que dependesse de artes mágicas ou forças transcendentais. Fiquei-me pelas coisas simples que estão ao alcance da acção do Homem!!!

Feliz ano!

Beijo grande

Mano

NetWorkedBlogs