Estórias ao Acaso: Noite Fria (XXV)

-Estou sim?
- Boa tarde meu amor!
- Olá, como estás?
- Estou bem, muito bem. Feliz. Sobretudo por estar a falar contigo.
- Bem... estás mesmo satisfeito. Nota-se no que dizes, como dizes. Fico muito feliz por ti. Mas a que se deve tão boa disposição?
- A muitas coisas... mas disso não queria falar já...
- Ah, não foi esse o motivo do teu telefonema?...
- Sim e não.
-Então?
- Sim... e podemos falar disso depois. Não, porque estou a telefonar-te para te convidar para jantarmos juntos. Podíamos escolher um local simpático, até já pensei onde poderia ser, tu conheces-me, sempre a preparar tudo, mas só se concordares, claro. Depois púnhamos a conversa em dia, retomávamos o fio à meada... afinal de contas tínhamos entre nós uma coisa tão bonita, não queria chamar-lhe relação, que foi interrompida de forma um tanto brusca e acho que isso não é justo. Quer dizer, eu compreendo tudo o que sentiste e disseste na altura mas era algo tão bonito e nada como um jantar, já sem ser a quente, com outra calma, para analisarmos a situação, para conversarmos, enfim, reatar alguns laços.
- É muito querido da tua parte o convite mas... sabes... tenho andado com a agenda um tanto preenchida. Quer dizer, entre nós não há essa coisa da agenda mas tenho andado bastante ocupada.
- Como assim?!
- Olha, vou ser honesta e sincera contigo porque sei que farias o mesmo comigo. Eu sofri muito com o que nos aconteceu...
- Claro...
- Sim, deixa-me continuar... e senti-me muito mal com o papel que desempenhei em toda esta situação. Não foi nada agradável para mim e, ao mesmo tempo, imaginei-me do outro lado da situação e não gostaria que mulher alguma me fizesse o mesmo. Não vou dizer que te esqueci. Nada disso. Bem tentei mas as coisas não são assim tão fáceis. Não consegui. Contentei-me com o meu quotidiano tranquilo e silenciosamente sofrido. O tempo foi passando, os meses... Meu Deus, como o tempo voa! Enfim, recentemente conheci um homem que não tem a tua energia, não tem a tua presença mas faz-me sentir muito bem, muito tranquila e, em certos momentos, até me faz sentir feliz. E sei que é meu. Às vezes chamo-lhe meu só para saborear a sensação. As coisas têm corrido bem... ... ... não dizes nada?
- Fico muito feliz por ti. Como sempre te disse, tu mereces o melhor do mundo. Eu quis dar-to!
- Eu sei. Mas não podes. Repara, tu tens a tua família, sempre tiveste, sempre a adoraste e eu não queria construir a minha felicidade sobre a infelicidade de outrém. Tu sabes... e depois este meu doce namorado é um excelente companheiro e estou certa de que descobriremos os caminhos do amor e do fulgor.
- Como é que ele se chama? Posso saber?
- Podes. Não é que não possas mas estava à espera que me perguntasses outras coisas sobre ele. Bem, eu conto-te na mesma, afinal é o que os amigos fazem uns com os outros... a menos que não queiras saber...
- Claro que quero!
- Cá vai: tem um trabalho humilde, é distribuidor de roupas de uma lavandaria, é muito diligente no trabalho, muito cumpridor. É divorciado. Recentemente divorciado. Sofreu imenso com o processo. Ele gostava imenso da ex-mulher mas não resultou. Acho que temos isso em comum: as feridas. É sereno, tranquilo. Quando falo, ouve-me de facto. É gentil e meigo. Vê lá tu que ainda é daqueles que me puxa a cadeira quando me levanto da mesa.
- Esses estão em extinção!
- Pois estão! E eu encontrei logo dois - tu também me puxavas a cadeira - mas este pode ser meu! Quanto ao que menos importa mas parece interessar-te, chama-se José António.
- Desejo-te muitas felicidades.
- Obrigada. E tu? Como vais? Olha a oferta para o jantar continua de pé? É que podemos jantar na mesma, os amigos jantam juntos, certo? Só que agora talvez não seja a melhor altura...
- Claro que podemos. Eu depois ligo-te. Eu vou indo bem, Senti saudades tuas, só isso.
- Também tenho pensado em ti mas estou a tentar ter uma vida... compreendes?
- Claro que sim. Espero que consigas e sejas feliz.
- O mesmo para ti. Gosto muito de ti.
- Eu também... um beijo.
- Beijo... e dá notícias...
- Darei.

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