O Clã do Comboio - A Rapariga das Palavras Claras

A Rapariga das Palavras Claras
Não pensei escrever este texto tão cedo. Tão depressa. Mas hoje recebi um mail que mudou tudo. Esse mail foi-me enviado pela Rapariga das Palavras Claras e é de uma sensibilidade tal que vim falar-vos dela quase como pretexto para o transcrever. Por isso, o coloco no fim deste texto. Porque é uma pérola cintilante da escrita. Posso enganar-me, mas esta miúda vai longe. Uma coisa de cada vez. Primeiro, vejamos como a conhecemos.

Era um fim de tarde. Era um interregional das 18:18 de Santa Apolónia para Tomar. Do Clã do Comboio juntaram-se a Mulher Vampiro, a Rapariga do Riso Fácil, o RB e o Escritor. A viagem foi animada. Conversas múltiplas e entusiasmadas, vozes plenas de amizade e partilha. Algo havia entre nós que nos levava absolutamente divertidos e envolvidos. O normal!

Ela entrou no Oriente. Magrinha, alta, cabelo curto e arredondado por cima dos ombros, a cabeça pequenina e redondinha onde gravitavam dois enormes e ansiosos olhos verdes a sorver a vida toda a volta. É daquelas pessoas que sorri com o corpo todo um sorriso que começa nos lábios finos, se estende ao franzir dos olhos e termina no encolher do peito para projectar os ombros como quem diz, "Que mais fazer senão sorrir à vida?". Trazia roupas claras e umas meias de cor creme todas rendadas a fazerem lembrar uma rede de pescador muito mal tratada. Ela era fantástica, mas o gosto para as meias estava a precisar de revisão como veio a confirmar-se. Nunca vi ninguém que tão rapida e avidamente se tivesse juntado ao Clã. E não foi só curiosidade, foi avidez de vida! Quis saber se éramos amigos antes de viajarmos juntos ou se tínhamos ficado amigos no comboio e deixou-se fascinar por esta segunda hipótese ser a verdadeira. Via-se que queria pertencer:
- É pena só vos conhecer agora. É que estou a acabar o curso e vou deixar de viajar!
E conversou. E assumiu com alegria que era inútil tentar trabalhar ao pé de nós. Não porque a incomodássemos, mas porque em nós havia essa preciosidade chamada amizade, afabilidade, vida! Percebi de imediato que era uma pessoa de luz!
Hoje voltou a encontrar-nos. Ia só o Escritor e a Rapariga do Riso Fácil. Mesmo assim, partilhou connosco pormenores do curso, sorveu-nos as piadas e tentou contribuir. E contribuiu. Trazia um top preto e um casaquinho de malha, uma saia florida e umas meias pretas rendadas a fazerem lembrar uma rede de pescador muito mal tratadas. Gozámos com o mau gosto para as meias, mas percebeu que a tínhamos acolhido no nosso círculo de simpatia. Não se importou de dar uma ajuda para "A Teoria do Bom Homem" que a Rapariga do Riso Fácil e a Mulher Vampiro estão a tentar escrever. Não vou revelar mais nada, mas há um aspecto que ela considera requisito nos homens que não resisto a revelar: "Bom homem para quem tem mau gosto". Está segura de si o suficiente para brincar com a sua própria imagem.

No primeiro encontro, assim que falou foi fácil baptizá-la. Todos concordámos que seria a Rapariga das Palavras Claras. E a razão era simples. Falava de forma assertiva e convicta e escolhia as palavras com acerto e propriedade.

Olá Rapariga das Palavras Claras, o Clã do Comboio sabe que te faltam dois exames e vem desejar-te boa sorte e bom trabalho. E o Clã vem dizer-te, pela mão do Escritor, que tens todas as razões para estares confiante, que o mundo fica em boas mãos quando, entre a sua juventude se encontram meninas-mulheres determinadas e seguras e com as palavras a reflectirem a clareza das ideias e a assertividade das atitudes. Volta sempre. Sabemos que voltarás pouco, mas sabemos também que em pouco tempo conquistaste um lugar no Clã. Um lugar e um nome!

Esta noite cheguei a casa, jantei, descansei um pouco e quando cheguei ao mail, tinha uma mensagem da Rapariga das Palavras Claras. Aqui fica como testemunho para que todos a conheçamos melhor:

"Não há como evitar que alguns dias pareçam não ter salvação possível, ou pelo menos que se afigurem absolutamente desencantados. Demasiadas tarefas por cumprir, tropeções em público, silêncios desconfortáveis, dúvidas há muito tempo pendentes ou apenas um alongado aborrecimento. Mas existem surpresas, existem sempre surpresas, que num instante ultrapassam qualquer sensação de tempo perdido e recordam a facilidade com que a maré se transforma e deixa aos pés do incauto viajante um presente para desembrulhar.
Se para nada mais do que isso, então cruzar-me convosco serviu para que me apercebesse do quanto estou a precisar de encontrar novas pessoas, pois confesso não me recordar da última casualidade em que tão rapidamente me senti ligada a perfeitos desconhecidos. A Mulher Vampiro, com certeza, não morde, o olhar é cúmplice como poucos, como se pouco existisse a distanciá-la ou distingui-la de cada um; o RB, na sua postura mais descontraída, não consegue disfarçar o traço da franqueza absoluta que lhe assenta sem qualquer esforço; a Rapariga do Sorriso Fácil num instante transparece o mais harmonioso optimismo, metade fé, metade confiança; e tu, o Escritor, que abates qualquer invólucro formal à primeira deixa, mostras que uma vida não chega, são precisas muitas, e que nada de bom se pode esgotar a não ser que o permitamos.

Encontramo-nos num desses interregionais do mundo?

A Rapariga das Palavras Claras"

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