A DÚVIDA - CAPÍTULO VIII



Nunca pensei chegar a isto. Eu não duvido só do que ela me diz. Eu duvido dos meus próprios sentimentos. Dos meus próprios pensamentos. Por exemplo, esta coisa dela digitalizar o diário e me mandar como uma espécie de prova da verdade dos seus sentimentos, normalmente eu acreditaria nisto, mas não consigo deixar de pensar até que ponto aquilo é mesmo honesto e até que ponto é uma manobra para reconquistar a minha confiança e reconstruir a confiança do casal. Até que ponto aquelas palavras refletem a minha Bela e até que ponto são uma estratégia da Bela que me vasculha o telemóvel e a carteira para recuperar o clima de confiança.

Acusa-me de estar sempre a trabalhar e não ter tempo e não lhe dar atenção... mas como é que aquela alma acha que nós sustentamos o estilo de vida que temos? Casa, carros, roupas, almoços, jantares... nós temos padrões de vida muito acima da média. É quase um crime pensar isto, mas a verdade é que nem temos sentido muito a crise.

Pareceu-me honesta quanto ao Sebastião, aquele paspalho. Que raio de gajo a minha cunhada foi desencantar. Merecia bem melhor. Espero que seja verdade o que ela escreveu, mas, mais uma vez, pode só ser uma forma de me trazer descansado. Não sei que pense. Esta mulher está a dar comigo em doido. Preciso esclarecer e sistematizar as minhas ideias para saber o que fazer. Ora, deixa cá ver...

Trabalho: Acha que eu trabalho demasiado. Vive um profundo ressentimento pelos sacrifícios que fez. Ou seja, trabalho igual a ressentimento.

Filhos: Parece ser a grande questão da Bela. Eu pensei sempre que tinha sido uma decisão assumida pelos dois, mas agora percebo que não. Arrependimento é o que ela sente. Profundo! Ou seja, filhos igual a ressentimento.

Sexo: Um desencontro total. Eu quero, ela não. Ela diz que sim, eu acho que não. O sexo não é mau, pelo contrário. Mas quase nunca é! Estamos desencontrados. Ou seja, sexo igual a desencontro.

A nossa relação: Acho que ela se referiu a nós como se sentindo num atoleiro. Por mais que me ame, e é preciso ter em consideração esse amor, a Bela sente uma profunda e indisfarçável mágoa em relação a mim. E, se quiser ser honesto com os meus botões, eu também sinto essa mágoa em relação a ela. Ou seja, a nossa relação é igual a mágoa.

E tem estado entre nós a dúvida. E acho que esta dúvida nasce nestes aspetos todos. Repara, Mário, se a tua mulher sente por ti ressentimento, arrependimento, mágoa e... qual era a outra? Ah, já sei, desencontro sexual, em que é que tudo isto dá? Dá num clima de dúvida em que cada pequeno gesto ou pormenor pode ser mal interpretado. E depois, andamos desnecessariamente à defesa. Estou-me a lembrar dos recibos do hotel. Andei eu preocupado e afanosamente a gastar energias a esconder uns recibos de hotel que eram do aluguer de uma sala de reuniões. Desnecessário. E porquê? Por causa desta puta desta dúvida. O pior é que não sei se é só dúvida ou se tem fundamento.

Acho que nenhuma relação resiste a este clima. Eu sou um tipo pragmático e não convivo com estas situações. Vou mesmo conversar com ela. Tentarei ser meigo e delicado, mas não há dúvida que não acredito neste casamento, sobretudo, no ponto a que isto chegou. Amanhã, peço-lhe o divórcio. Tem de ser. É melhor uma má situação, mas definida do que o prolongamento da indefinição.

Só preciso esclarecer uma coisinha de mim para comigo. É que eu acho que ainda amo esta mulher... ou não? Não sei... preciso de um banho. Frio, de preferência!

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