Por causa dA Dívida - IX



Ai meu Deus, estou tramada. Agora tirou-me o carro. Diz que o vendeu. O meu maridão enlouqueceu. Então como é que eu me desloco para todo o lado? Ai vai ouvi-las, vai... o pior é que já usei os argumentos quase todos e ele não cedeu. Aliás, o tipo parece determinado como nunca. O que será que ele fez ao dinheiro do desfalque? Havia um desfalque, acho eu... lá vem ele... tenho de fazer uma choradeira primeiro e falar-lhe ao coração depois...

- Olá Marinho, olhe, eu continuo a dizer que está a ir longe de mais com essa história do carro. Se não cumpre a sua palavra nesse aspeto, eu também posso não cumprir a minha... sei lá... na cama! Já viu que aborrecido que era?
- Não seja patética, Belinha, deixe-se de parvoíces.
- Parvoíces, Marinho, mas que linguagem é essa? Não estou a reconhecê-lo.
- E se não muda de atitude vai é deixar de ver-me!
- Ah! A ameaçar com o divórcio. Não seja baixo! Os homens não prestam mesmo.
- Não, não estou a ameaçá-la com o divórcio. Se as minhas suspeitas se confirmarem, o divórcio será o menor dos nossos problemas.
- Ai, Mário, está a assustar-me...
- Pois é, Belinha, estamos perto do fim...
- Não me diga que é por causa do desfalque?
- Qual desfalque? Não há desfalque nenhum!
- Ai Mário, comece a fazer sentido! O que se passa?
- É o João e a Dulce!
- Ai querido, agora estou mesmo assustada, quem são esses? Alguém que eu deva conhecer?
- Sua tonta! Sua burra! São os nossos autores!
- Os nossos autores? Ai querido, cada vez percebo menos...
- Eu explico... nós não somos pessoas a sério, somos personagens numa história. E o nosso Deus... são dois! O João e a Dulce. Eles é que determinam os nossos atos e o nosso destino.
- E...
- E eu ouvi uma conversa entre eles, estava eu aqui no caderno e eles iam no comboio a falar de nós... estão zangadíssimos connosco. Dizem que somos uns interesseiros, desonestos, só sabemos é mentir um ao outro, trairmo-nos mutuamente e gastar acima das nossas possibilidades. Parece que estão a considerar...
- Matar-nos?
- Acho que não iriam tão longe, mas suspeito que querem que deixemos de existir...
- E qual é a diferença?
- É que assim nem precisam de inventar a nossa morte! Desaparecemos para sempre e pronto.
- Ai, Mário, não! Isso não! Ser suprimida da existência para todo o sempre, isso não!
- Pois, mas, ou mudamos de atitude, ou... não temos saída...
- Marinho...
- Sim...
- Há uma coisa que eu não percebo...
- Sim...
- Se esse João e essa Dulce são os nossos autores e determinam os nossos atos e o nosso destino, então não são eles os responsáveis primeiros por sermos como somos?!
- Aparentemente sim, Belinha. Acontece que há duas coisas que os autores têm e de que nunca abdicam...
- Então? O quê?
- Pancada e prerrogativa!
- Isso quer dizer que nos criam, nos guiam e depois têm o direito de não gostar de nós?
- Tal e qual!
- Miseráveis! Ouviram, senhores autores? Senhor João e senhora Dulce, sois uns miseráveis!
- Cala-te, sua delambida imoral!
- Sim, cala-te sua perversa mentirosa!
- Foi você que falou, Mário?
- Eu não, Belinha, estava a ouvi-la com atenção...
- Fomos nós, os autores, calem-se, mudem de atitude e vejam lá se dão algum interesse a esta história!
- Eu não lhe disse que eles estavam zangados, Belinha?! É a tal coisa... pancada e prerrogativa.
- Olhe, Mário, eu acho que os nossos autores são uns imbecis, em todo o caso, como estamos num beco sem saída, faço-lhe uma proposta...
- Diga, minha querida.
- Façamos um pacto de honestidade.
- Então e não é preciso ser honesto para isso?
- É!
- Mas nós não somos!
- Mas podemos começar a ser.
- Ó Belinha, eu não sei se sei ser honesto...
- Também eu não sei se sei viver sem mentir, mas temos de tentar...
- E como é que fazíamos isso?
- Veja lá se gosta desta ideia... eu conto-lhe toda a verdade sobre as minhas patranhas e mentiras e o Mário conta-me toda a verdade sobre as suas... assim, como se começássemos do zero e depois íamos ser boas pessoas, com princípios.
- Isso é muito arrojado, mas podemos tentar... comece a Belinha...
- Muito bem, começo eu. Olhe, eu tenho um cartão de crédito às escondidas e farto-me de gastar com ele, às vezes por pura vingança. Compro tudo o que me apetece. Para mim e até para umas amigas. Estou sempre a ignorar as suas preocupações com dinheiro e faço chantagem com a nossa vida íntima... o sexo! E... e... e eu sei que deu um desfalque  num negócio que propôs ao nosso cunhado, mas fingi que não sabia para poder gastar o dinheiro. E uma vez, há muitos anos, tive um caso com um colega seu, o Eduardo, mas agora já acabou. Pronto, já está. Agora é a sua vez.
- Olhe, Belinha, eu podia dizer que estou espantado, mas a verdade é que fiz pior. Eu fui para a cama com a Marlene, somos amantes, e às vezes a Belinha está a falar e eu só penso nela. E, sim, é verdade, enganei o nosso cunhado, paguei umas contas, mas comprei a viagem às Maldivas e fiquei com uma pipa de massa para os meus luxos e vícios. Antes tivesse estado quieto, a PJ anda atrás de mim e está a um passo de descobrir tudo.

- Dulce...
- Sim, JP...
- Estes tipos não têm emenda, Dulce.
- Pois não, JP.
- Ainda agora fizeram um pacto de honestidade e já estão a mentir um ao outro.
- É verdade, JP, ela não revelou os encontros com o miúdo, o Hugo. Aquilo ainda vai dar chatice.
- Pois é, Dulce, e ele não revelou que também vai para a cama com a Andreia e Sandra e... nem sequer contou a história do anel que deu à Marlene.
- Pois é, JP, mas em relação a isso ela também foi desonesta porque sabe da história do anel e não abriu o jogo...
- Olha, Dulce, cá para mim, estes dois não têm emenda.
- Pois não, JP.
- Dulce...
- Sim, JP...
- Vê lá se endireitas isto no próximo capítulo!
- JP, tu não vais ficar por aqui e deixar isto tudo em suspenso. Tu não te vais embora e deixar-me com esta baralhada nas mãos, pois não?
- Ai vou, vou...
- JP! Vem cá! Anda escrever o resto!
- Bye, bye, Dulce...

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