Curtas do Metro – As Razões do Gato Preto



As Razões do Gato Preto

Manhã normal. Comboio normal. Metro normal. Gente normal. Movimento normal. Gato estranho.

O que vou contar-vos hoje é só um apontamento e já aconteceu há três semanas. Durante todo este tempo pensei sempre que era demasiado insignificante para ser contado. Por outro lado, o que o gato fazia, sem uma razão que o justificasse, era absurdo, quase surreal. E, por isso, guardei o apontamento no caderno e chamei-lhe “Gato”, mas não publiquei. Ontem, contudo, ao passar onde o gato andava, vi algo que me fez luz, a tal razão que rouba o absurdo à situação. Não sei como é que as histórias ficam melhor. Se com absurdo, se sem ele. Eu gosto do absurdo e do surreal, sobretudo quando são reais! E sei que as justificações muitas vezes estragam tudo. Acontece que esta justificação é como o fechar de um ciclo. E por isso mesmo, porque o ciclo está fechado e luz se fez, aqui ficam os apontamentos. O do passado e o do presente. Os leitores, agora, hão de ligar os pontos e completar a imagem.

Há três semanas.
Saio do comboio. Apanho o Metro em Santa Apolónia. Mudo em Baixa/Chiado. Saio no Cais do Sodré. Percorro a plataforma. Subo as escadas. Passo no controlador. Quando estou no enorme átrio da estação, vejo ao fundo as escadas rolantes que dão para o exterior. Em relação ao ponto onde me encontro, estão em plano superior. Umas a subir, outras a descer. E é aqui que entra o gato. Vinha nas escadas rolantes que descem. Parei a observá-lo. Deitado, atravessado, ocupava um degrau inteiro. Pensei eu que aproveitava o baloiço das escadas. Quando chegou ao fim da voltinha, o gato preto pôs-se de pé, deu um saltinho para sair das escadas e ficou no chão. Deu meia volta por ali e subiu pelas escadas de cimento. Uma vez lá em cima, voltou a descer! E pronto. Há três semanas era esta a minha história. Um gato preto que usava as escadas rolantes como montanha russa. Pensei, É tão inverosímil que as pessoas vão pensar que se me esgotou o assunto de escrita e resolvi inventar. E foi por isso que não publiquei. Até ontem decidir o contrario.

Ontem.
Saio do trabalho. Apanho elétrico. Chego ao Cais do Sodré. Dirijo-me para a entrada. Desço as escadas rolantes. Chego cá abaixo ao local onde o gato preto dava uma voltinha antes de subir de novo. E que vejo eu? Um pequeno patamar com vista sobre o átrio da estação. Uma proteção de vidro, pela cintura, para impedir quedas. O vidro termina num corrimão inox e em cima dele... pombos!!!

Pois é, todas as coisas têm uma causa. Todos os seres têm uma razão. Esta, foi a razão do gato preto.  

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