Verão
Toda a primavera dá lugar a um verão. E o nosso também
chegou. Quente, por sinal. E com o verão chegou o fim das aulas. Há já algum
tempo que pairava entre nós certa apreensão mesmo que não confessada. Era a
incerteza de não sabermos como seria a vida depois do final das aulas. Era a
antecipação de que poderíamos não sobreviver a essa separação porque as nossas
vidas tinham caminhos diferentes. Muito diferentes. Fiz um exame importante e a
MJ esteve sempre a meu lado. No fim, quando nos despedimos, ambos sabíamos que
não havia qualquer razão para voltar à escola. Era verdade, um facto
incontestável, que nos amávamos profundamente como só na adolescência se ama,
que gostaríamos de passar o tempo das nossas vidas lado a lado. Mas era também
verdade que ambos queríamos outras coisas da vida, mais coisas da vida.
Caminhadas de aventura com outras pessoas, noutros locais.
E, com a mesma espontaneidade com que começáramos a namorar,
assim terminámos. Não houve juras. Não houve promessas. Fomos juntos até onde o
caminho nos separava. Abraçámo-nos longamente. Não nos beijámos. Todos os
beijos haviam sido dados com toda a intensidade possível. Uma vez mais
decidimos não decidir nada. Dissemos qualquer coisa desacertado como Até breve,
Até já, Vemo-nos por aí, Vemo-nos por aí.
Lembro-me de que tínhamos as mãos dadas e lembro-me do
momento em que as soltámos e as minhas ficaram de novo vazias no extremo dos
meus braços caídos ao longo do corpo. E quando voltámos costas, levávamos a
esperança de nos reencontrarmos depois das aventuras que havia para viver.
Perdemo-nos ou encontrámo-nos nessas aventuras. O que foi não interessa para
esta história. Interessa que nunca mais nos vimos. Passaram vinte e oito
primaveras e vinte e oito verões de saudade e ternura. De memórias gratas. De
revisitações frequentes à fantástica mulher que me engatou com uma Bolacha
Maria, que caminhou a meu lado por montes e cabeços, que me beijou
apaixonadamente e com volúpia, que me preencheu as mãos, que me iluminou os
dias, que chegou suave e suave me viu partir. O tempo, inexorável, não volta
atrás, não devolve o que se viveu nem oferece o que não se viveu. Só a memória
pode ser um doce lenitivo para as ausências e para as falhas do que não se
viveu porque se não quis ou não pôde. Mas a memória desvanece-se. A escrita
pode, contudo, reter estilhaços, preservar o que se sentiu, o que se
experienciou. E por isso escrevo estas linhas. Para oficiar a memória. Para não
deixar escapar entre os dedos a grata recordação de um amor tão intenso quanto
puro, quanto ingénuo, quanto efémero. Escrevo-te, MJ, para te não perder. Assim
como quem grava uma tatuagem na alma.
À MJ,
primavera de sempre.

