Rasgo

Rasgo


Rasga a pele.
Rasga o desejo.
Rasga a fuga.
Rasga a palavra.
Rasga o gesto.
Rasga o rasgão.
E faz do corte
A matéria da união.


Rasga a noite.
Rasga o dia.
Na covardia
De um amanhecer por rasgar
Jaz um homem
Por realizar.


Só incompleto
Estás completo.
Só rasgando o teto
Vês a constelação.
Rasga o peito.
Rasga a mão.
E rasga o olhar,
Que há nessa imperfeição
A única perfeição
A contemplar.


Rasga e divide.
Rasga até doer,
Que não sabe se viveu
Um homem que não rasgou
Até morrer.


E a morte rasga
A existência dos vivos,
Que, dos mortos,
A essência
Rasgada está.
Não adies o rasgar,
Rasga já!


Trago uma bandeira
Rasgada
Ondulando ao vento.
Tem um rasgo de cor,
Um estilhaço de momento,
Uma mensagem de dor!
Rasguei-a em tiras
E embrulhei meu coração atormentado.
Entreguei-o à letra
De um fado rasgado.


Rasgo o mar
Num bote pequeno.
Rasgo a sorte,
Rasgo o veneno,
E dou à morte
Meu rasgar sereno.


Já exangue,
Por fim,
Mergulhado no sangue
Rasgado de mim,
Rasgo a fronteira,
Rasgo a eternidade.
Na vida,
Como na morte,
Só se não rasga
A saudade!
jpv

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