Crónicas de Maledicência - O Regresso de Sócrates


Crónicas de Maledicência - O Regresso de Sócrates

Amor, Ódio e Indiferença
Pode gostar-se de José Sócrates, pode não se gostar de José Sócrates, pode amar-se Sócrates, pode odiar-se Sócrates, pode achar-se que foi um bom primeiro ministro ou pode achar-se que arruinou o país. O que não se pode, é ficar indiferente a Sócrates.

Ontem, a RTP arrasou a concorrência. Toda a gente, mesmo os que diziam que não iam ver, estive a ver e/ou a ouvir a entrevista do ex-Primeiro-Ministro.  O programa até ultrapassou, em audiências, as transmissões dos jogos de futebol do Benfica. Ou seja, independentemente do que os portugueses pensam dele, ontem quiseram ouvi-lo. Já hoje, a imprensa nacional e internacional, o parlamento e até o Senhor Primeiro-Ministro, na defesa que fez do Senhor Presidente da República, demonstraram não ter ficado indiferentes à reaparição pública de Sócrates.

Também não fiquei indiferente. Ouvi com atenção e tentarei comentar brevemente a sua entrevista naquilo que penso foram os seus pontos fortes e os seus pontos fracos. Não vou analisar a governação de Sócrates nem a do atual executivo. Vou cingir-me à entrevista de ontem. Só isso. E, claro, fá-lo-ei de forma racional e isenta.

Tomar a Palavra
Não percebo porque é que Sócrates não haveria de falar. Manifestar a opinião é algo normal em democracia. E não percebo como é que o mesmo povo que votou em António Oliveira Salazar para melhor português de sempre, fez uma petição para que José Sócrates não falasse na televisão. Aliás, mesmo aqueles que são contra Sócrates podem ter aqui uma oportunidade de pegar nas palavras dele e no facto de estar a expor-se para o contrapor, rebater e desautorizar. Já acho sintomático que o astuto engenheiro tenha usado a expressão "tomar a palavra" e não, por exemplo, "usar a palavra"... acaso? Não me parece!

Passado e Presente
O que menos gostei na entrevista foi o facto de ser tão centrada no passado e tão pouco projetada para o futuro. Percebo a ideia do ajuste de contas com as acusações de que foi alvo, mas penso que, se a intenção é participar, então que o engenheiro se centre no futuro e nas soluções que são precisas.

Pontos Fracos
Fundamentalmente, a visceral incapacidade de assumir erros. Sócrates não mudou muito em dois anos. É um político completo. Goste-se ou não, concorde-se ou não, é dos poucos políticos com um discurso claro, assertivo e intrinsecamente convicto. É um orador como há poucos em Portugal. Contudo, tem uma tendência quase instintiva para afastar de si a possibilidade de ter errado e centrar tudo nos outros. Mesmo sendo verdade que não será culpado de tudo o que o acusam, o seu segundo mandato está ligado a uma subida vertiginosa da dívida pública e a crise internacional explica algumas coisas, mas não justifica tudo. Por outro lado, foi pouco convincente em relação às PPP. Mesmo só tendo criado oito das vinte e duas, fê-lo quando todos os indicadores o desaconselhavam e apontavam no sentido contrário: extinguir as que se considerassem não ser absolutamente indispensáveis. Ou seja, é um comunicador muito bom, excelente registo discursivo, mas não consegue disfarçar alguns números e alguns erros que poderia e deveria ter assumido.

Pontos Fortes
Sócrates voltou em boa forma. Foi corajoso na forma como enfrentou as questões mais difíceis. Foi claro na forma como arrasou a ação do Presidente da República. Foi contundente na forma como se anunciou de regresso ao mundo político. Fez uma ponte lógica entre o chumbo do PEC 4, o pedido de resgate financeiro à Troika e a voracidade política do PSD. Foi generoso na forma como tratou a atitude do seu partido em relação a si próprio. Foi muito inteligente, e até leal, ao falar criticamente de ação governativa sem nunca pessoalizar em nenhum ministro, nem mesmo no Primeiro. E foi inteligente ao defender o que a sua governação teve de mais interessante, como, por exemplo, a mudança do panorama nacional no que respeita a energias renováveis e investimento estrangeiro.

Saldo
Se convenceu? Em alguns aspetos, naqueles de pendor mais político, admito que sim. Sabemos que sim. Nas questões técnico-financeiras foi demasiado generalista para ter convencido. Foi demasiado fugidio numa fase em que os portugueses, e bem, querem ver rolar cabeças. Uma coisa é certa, a cena política portuguesa ganhou mais um ator. Um comentador que aqueceu o ambiente político. Um homem gerador de polémicas e contradições. E mentiu. Disse que não voltaria à política ativa. Sócrates que me desculpe, mas o que eu vi ontem foi política do mais ativo que há... até já mexeu com meio mundo hoje. E o país a precisar de atenção em tantas outras coisas...

jpv 

NetWorkedBlogs