Crónicas de Maledicência - Ponto da Situação


Crónicas de Maledicência - Ponto da Situação

Não pode um homem virar costas durante uns dias, uma mísera semana no cósmico devir dos tempos, e Portugal desata a acontecer. Final de ano letivo, uma viagem, mais umas consultas, comprar uns medicamentos que o corpo começa a fazer perguntas ao tempo e resultou tudo numa semana de um pouco menos de atenção aos média. Menos net, menos telefone e menos televisão. E assim que um tipo acorda para o mundo lusitano, ele mudou-se de lugar. Foi tanta coisa em tão pouco tempo que, sabendo nós que temos muitos leitores em fase de veraneio, vimos aqui fazer um breve, se for possível tanto Rossio para tão pouca Betesga, ponto de situação.

Ao que parece o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros demitiu-se com caráter irrevogável. Fosse porque o caráter não era irrevogável, fosse porque não era caráter, foi readmitido como Vice-Primeiro Ministro. Ele justificou-se, e bem, dizendo que primeiro estava o país. Só não disse onde é que estava o país quando da demissão que foi irrevogável mas mudou de teor.

Ao que parece, a nova Ministra das Finanças tomou posse e ao que parece nem toda a gente concordou e ao que parece esteve de saída e ao que parece não saiu. Chama-se Maria, a Senhora Ministra, nome muito apropriado, porquanto ainda agora conheceu o menino e já tem percorrido longo calvário.

O Povo, que é ingrato e néscio, andava acusando o Senhor Presidente da República de não fazer nada. Houve mesmo quem buscasse metáforas circenses de mau gosto rapidamente perdoadas. Ora, um fim de tarde cálido, estava o Senhor Presidente da República a fazer nada e acordou de sua entorpecida letargia. E fez. Fez tudo duma assentada. Com a particular e difícil virtude de ter feito a vontade a todos. Sim, já nasceu o homem que agradou a gregos e a troianos. Havia os que queriam que ele mantivesse o Governo. Ele manteve o Governo. Havia os que queriam um Governo de Salvação Nacional multicolor. Ele decretou a constituição de uma coisa dessas. E havia os que queriam eleições antecipadas. E ele marcou-as. Claro que a salvação nacional não pode durar mais de onze meses, mas compreende-se, se é para salvar, então que seja rápido.

E, assim sendo, já tínhamos em perspetiva três Governos possíveis, acontece que o próprio Governo propôs um outro Governo! Eu até pensei que devia ser engano do jornalista, mas estavam todos a dizer o mesmo. Enfim, não se compreende, mas aceita-se.

Por sua vez, a oposição diz que vai a jogo, à conversa de diálogo chamada. Mas avança que não aceita. E talvez por isso há por aí muito ignorante, grupo em que me incluo, que não percebe porque é que vai conversar se a conversa já terminou.

Por sua vez, inquietada com tanta agitação enquanto ela estava para ali a fazer nada e a ver os outros a divertirem-se, a Senhora Presidente da Assembleia da República, aquela jeitosa do biquini branco que tem um corpo interessante e adequado para anúncios de fraldas para a icontinência, mas, de certo, tem demasiado corpo para o cargo que ocupa pois todos sabemos que o Presidente da Assembleia da República tem de ser velho e reformado e ela só é reformada, resolveu dar um arzinho da sua graça. Ora, errou na força do arzinho e saiu-lhe um ciclone. Na mesma tarde, citou Simone Bôvuare (ela pronuncia assim), correu com uma cambada de manifestantes da Assembleia da República porque isto é à vontade, mas não é à vontadinha, a democracia tem limites, fez uma metáfora e prestou declarações à imprensa. A senhora devia estar derreada. Eu que tenho a impressão que sou escritor é que sei o trabalho que dá fazer metáforas. E nem sempre saem bem.

Estava o país entretidíssimo com tanta ação e tanta novidade, a pontos de ninguém se interessar pelas imagens discursivas contundentes dos deputados do Bloco, não digo de Esquerda porque da maneira que isto vai, ainda muda de mão, e aparece aquela senhora que foi Ministra das Finanças e não acerta com as concordâncias de género e número, a Doutora Manuela Ferreira Leite, e diz do ex-futuro-ministro-Doutor-Paulo-Portas que ele era um menino que fez birra porque lhe tinham dado um brinquedo e depois lho tinham tirado porque o brinquedo não era dele. Às tantas, eu estava confuso porque já não sabia bem de quem era o brinquedo. E é claro que, com declarações deste teor e de tão ilustre personagem, seria de esperar que Portas se escondesse atrás das ditas enquanto a vergonhaça passava.

Qual quê! A tradição já não é o que era. O ex-futuro-ministro foi à Casa da Democracia, fez um acalorado discurso onde justificou a sua partida e explicou o seu regresso e foi aplaudido, nada mais, nada menos, do que de pé.

No final de uma sucessão trepidante de eventos deste teor só apetece perguntar, assim meio baralhado, Olha lá, como é que ficou o jogo? E a resposta é simples. Antes disto, os juros da dívida pública estavam a 6,10% e agora estão a mais de 7,5%. É verdade que pode ter saído caro, mas não é menos verdade que o entretenimento foi do melhor nível possível. A Teresa Guilherme que se cuide, se a Casa da Democracia continua a dar este espetáculo, ela vai ter de fechar a casa do irmão grande e fica no desemprego a engrossar o engano nas previsões daquele senhor benfiquista que já cá esteve mas foi embora. Aquele do Borda d'Água...

jpv

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