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Corpo sem Sonho nem Quimera


(Imagem jpv)


Rasgo o pulso do tempo.
Procuro a cada hora
Encontrar o que está por fora
De um único e irrepetível momento.

Amo o vento
E o frio
Rasgando-me a carne.
Amo o suor e a dor,
O lazer e o labor,
A luz do fogo
Enquanto arde.

Amo quem parte
Como quem fica.
Amo o homem que ordena
E o que suplica.
Amo hoje o dia que passa
E amanhã o que passou.
Amo e odeio
O homem que me prendeu
E a vertigem que me libertou.

Não sei quem seja.
Nem ateu,
Nem homem de igreja.
Nem bêbado cambaleando,
Nem sóbrio sem emoção.
Sou uma triste e alegre visão
De mim.
Um rio sem fim,
Correndo para o mar,
Uma gaivota cortando o ar,
Uma mão afagando um púbis,
Um poeta esgazeado
E perplexo.
Um entumescido
E laborioso sexo,
Uma carícia dolente
E dedicada.
Uma procura solitária
E desesperada.

E há essa impossibilidade.
Essa mordaça
Na voz e no peito
Que me tolhe a vontade
E desconcerta o jeito.
Há essa impotência
Em mim,
De ver-te partir,
E saber
Que não foi o fim.
Há esse grito
Silenciado,
Esse gesto
Pequeno e torturado.
Esse querer e não poder querer-te.
Me.

Não sei já do sangue
Nem da palavra.
Não me lembro do teu toque
Nem da tua voz.
O pouco que resta de ti
Habita em nós
E perde-se
A cada gesto desenhado,
A cada braço estendido,
A cada mão aberta,
A cada corpo amparado.

A vida...
A vida não existe.
É mera sombra,
Fractal impreciso,
Puta cansada e triste
Rejeitando uma voz que insiste...
E entrega-lhe o corpo,
Esvazia a alma,
Abandona a intenção
E perde a memória
Da razão... original.

O tempo não tem pulso
E dentro de cada momento
Não está nada.
A vida,
Se fosse alguma coisa,
Seria uma intenção abandonada.

Afinal,
Não amo nada.
Nada odeio.
Pensei ser o centro e o meio 
De tudo.
E quedei-me cego e mudo
Quando finalmente percebi
Que nem pelas palavras
Estou aqui.

Ausência.
Espera.
Corpo sem sonho nem quimera.
Cadáver ofegante
Do homem que desespera.
jpv


Poema do Menino que Dormia


Poema do Menino que Dormia

Há momentos
Em que acordo
E noto que morri.

Nasci morto.
Cresci cego
E comandado.
E, hoje, não nego,
Morro acomodado
À fuga
Que empreendi.

A vida
Que havia a viver
Fugi.

Perdi-me os movimentos,
Algemei as mãos
E agrilhoei pensamentos.

E quando vim 
A libertar-me os intentos,
O mundo não me acreditou...
E não me quis.

Era demasiado
O preço
Do que não fiz.

Estava extinta
A força,
Soçobrada a vontade
Do poeta
De tenra idade
Que acordou
Demasiado tarde.

Julgo ter cá dentro
Um fogo que arde,
Mas são só cinzas...

Um cadáver andante
De grande e vistoso porte
Deambulando pelas ruas,
Putrefacto,
Exibindo a vida da morte.

Há momentos
Em que acordo
E noto que morri.

Olho à volta
E vejo-me aqui,
No meu centro,
Na periferia de tudo o resto.

Ouço um sino
Longínquo e funesto
E vou a sepultar-me sozinho.

Foi tudo tão triste
E patético
Quanto errar
Uma curva do caminho.

O brilhante e profético
Sonho de ser
Desvaneceu-se.

Era uma vez
Um menino que dormia...
Hoje acordou
E veio ver
O homem que morria.
jpv

Sem Jeito



Sem Jeito

Passo à porta
Do teu silêncio
E sinto o bater
Incerto
Do teu peito.
Bate de estranho
E inusitado jeito,
Como se não quisesse bater.
És tu que pressentes
Minha passagem,
Ou nosso amor a morrer?
É um viajante
Que desistiu da viagem,
Ou um rumor
A reviver?

E as palavras que calas,
São como letras soltas 
Nos lábios
De uma criança a juntá-las.
Vivem incertas
E temerosas
Atrás da porta
Onde habita teu coração
A bater dentro do peito
Devagarinho
E sem jeito
Para eu não ouvir.

Aproximas-te a fugir
E é esse teu imperioso destino.
Amar um homem grande
Com coração de menino.
Ser mulher crescida
De corpo esculpido e feito
Onde bate um coração
Sem jeito.

jpv

Poema da Menina que Vendia Maracujás na Beira da Estrada


Poema da Menina que Vendia Maracujás na Beira da Estrada

Era uma menina,
Chamava-se Inês,
E vendia maracujás
Na beira da estrada.
De seu, não tinha mais nada.

Pé descalço
Salpicando a água da chuva,
Saia verde,
Blusa desabotoada.
De seu, não tinha mais nada.

Um pano no chão,
O tempo todo para esperar,
A fruta amontoada.
De seu, não tinha mais nada.

A um canto do pano, um nó.
Lá dentro, uma nota velha e dobrada.
De seu, não tinha mais nada.

As mãos estendidas para a vida,
A esperança no sorriso da face encantada.
De seu, não tinha mais nada.

Uma troca rápida,
Uma palavra breve,
O olhar de novo na estrada.
De seu, não tinha mais nada,
Inês,
A menina que vendia maracujás
Na beira da estrada.

Chongoene
08/02/2014
jpv

Lamento do Viajante Solitário


Lamento do Viajante Solitário

Já te sinto ao longe,
Ó sol redondo e grande e vermelho
Que nasce ao contrário
E se põe nas minhas costas.
Já te sinto sob os pés,
Ó terra de sangue
Que cheira a vida
E brota meninos descalços.
E amo as tuas cores
E as tuas gentes
E sinto tudo
O que sentes.
Já te pressinto a humidade
E o calor,
Já te vejo a bátega torrencial
De impiedosa chuva,
E já oiço as saudações
Dos vizinhos e dos amigos.
E já escuto o que o povo canta
O que o puto anónimo diz.
E sou feliz.
Por ti. Em ti. Contigo.
És minha essência
E minha verdade.
És meu chão,
Minha pátria de vencer,
Acolhimento e aconchego.

E choro.
Há outra terra.
Escura e fria.
Onde chove de noite
E neva de dia.
E há uma lareira ardente
Que se paga,
Uma porta que se tranca,
Uma janela que se fecha,
Um cão que baixa a cabeça
E chora por dentro.
E há um filho órfão de mim,
E uma família acenando
Um incerto e chorado adeus.
Há amigos que sorriem de dor
E querem atenuar os meus
Pecados.
Esses,
Cometidos estão.
E só se redimem de verão em verão.

Amo uma e outra
E não há nesse amor
Culpa nem perdão.
Mas há a distância.
Há a errância.
Há a solidão.
Há um estar sempre
Onde se não está,
Esse constante cá e lá
Que dói e fulmina
A intenção.
E cresce em mim a intraduzível saudade
Um peito que se enche
E esvazia,
Um não saber que querer
Querendo tudo,
Um poeta, 
Um bardo no peito,
Um estar sempre sem jeito.
Uma viagem
E um viajante para ela,
Homem tisnado e forte
Que estende e iça a vela
E chora seu fado,
Lamento solitário...


jpv

Poema do Amor Incondicional



Poema do Amor Incondicional

Morre na praia da intenção
O amor incondicional
Que te soprava o coração.

Vives a urgência
De uma existência
E não viste ainda
Que já morremos todos.
E resta, destes cadáveres exangues,
Entregues aos cães e aos lobos,
Provar o doce amargo
Da putrefação.

É uma estrada.
E não temos mais do que o lado a lado.
Ficamos, súbito, sem paisagem, só o nada
Como recompensa para cada corpo tombado.

E a alma, dizes-me tu, do alto das tuas barbas brancas,
Da tua inconsciência de menino.
A alma, seja o que for,
Etérea, corpórea, achada ou perdida,
A alma, meu Deus,
Não pode ser a desculpa
De desperdiçar-se a vida!

Fui já.
E já não sou.
No meu lugar jaz outro.
Respira por entre a gente
Uma alma adiada
E um corpo morto.

jpv

Até a Ler, Somos Um País de Poetas



Contador do Blogger


Contador do Facebook


Num dia normal, a página de MPMI, aqui, no blogue, tem cerca de 200 visitas e cada artigo colocado na página promocional, no Facebook, rondará as cento e muitas, duzentas visualizações.

Bastou escrever-se um poema, postar-se o dito, e as visitas aqui no blogue foram 278 sendo que a página promocional no Facebook teve, só nesse item, mais de 500 leituras!

Caso para dizer que somos um país de poetas, até a ler!

Muito Obrigado pela vossa dedicação,

jpv

Rascunho



Rascunho

porque me odeias?
perguntou o cordeiro ao lobo.
porque me lembro de quando éramos ambos cordeiros.
e que aconteceu depois?
não te lembras?
não. sou um cordeiro.
desconfiei da tua pele.
da minha pele de cordeiro?
sim. que na altura parecia de lobo.
nunca fui senão um cordeiro.
e eu nunca fui senão um lobo e...
e?
e, contudo, julguei-me cordeiro, julguei-te lobo...
e defendeste-te.
sim. fechei-me.
e, ainda assim, odeias-me...
sou todo rancor e mágoa.
arrependimento...
sim...
de seres lobo?
não. de ter sido cordeiro!
então porque convivemos? porque nos toleramos?
tenho uma teoria...
uma teoria de ódio?
uma teoria de medo. 
de medo?
sim. tu temes a vida sem um lobo por perto a afastar os medos.
e tu?
eu temo vida sem um cordeiro por perto em quem despejar as culpas, os remorsos.
somos prisioneiros um do outro.
mais do que isso. alimento um do outro.
alimento putrefacto...
a comida não tem adjetivos.
tu devoraste-me a vida, lobo mau.
tu devoraste-me a vida, cordeiro do diabo.

mas houve um tempo em que me acariciavas a pele.
fazia-o sem mágoa. com a cristalina luz da confiança.
nesse tempo eu achava-te um lobo bom.
e eu achava-te um cordeiro de deus.
mas...
deus não existe. e tu não és senão uma deceção.
e se eu te pedir desculpa.
podes fazê-lo, mas era preciso que eu acreditasse.
em mim?
em ti. em deus. na vida. no amor.
há sempre amor. eu acho que te amo.
não amas nada. tu estás como aqueles da canção do patxi andion. habituado.
queres dizer que pode confundir-se amor com habituação?
claro. na maioria dos casos em que se fala de grandes amores, não se trata mais do que habituação sem sentido. o amor é uma ilusão. um filme sem final feliz. uma laranja amarga. um iogurte fora de prazo.
não me amas, então.
amei-te até desconfiar da tua pele. a desconfiança corroeu-me todo. o peito. a alma.
às vezes culpo-te.
eu culpo-te sempre.
não me dás tréguas.
não. nunca darei. atreveste-te a ser feliz.
queria ser feliz contigo. e achei que querias ser feliz comigo.
sim. mas só contigo. tu teimaste em viver para além de mim.
isso não é saudável.
saudável, minha besta, seria dares-me o que eu te dei. a minha vida. a tua vida.
lamento, lobo mau, vou partir.
não consegues, cordeiro do diabo, estamos presos.
então morrerei.
morrerás. e eu contigo.
morrerei afogado nas tuas lágrimas, lobo.
e eu sufocado no teu sangue, cordeiro.

jpv

Átomo de Tempo


Átomo de Tempo

Átomo de Tempo,
Elipse.
Um só momento,
Fulcral.
O coração todo,
Estendido.
O Anzol e o engodo,
Perdido.
O corpo e o suor
Num só.
Memória de amor,
Em pó.
Palavra e opção,
Silêncio.
Presença de mim,
Ilusão.

Não se pode ter o mundo na mão,
Vazia.
Nem a todas as noites
Segue um dia.

Os teus olhos
Não estão cegos para mim.
Eu contento-me, assim,
Com a visão imperfeita
Desta estrada estreita
E retorcida
A que uns chamam horizonte,
A que eu chamo vida.
É a tua alma que me seduz,
Não é a luz.
São as pontes,
As intermináveis pontes,
As inquebrantáveis pontes,
Que galgam rios, mares,
Planícies e montes
E me levam a beber de ti, o amor,
Em todas as fontes.
Não secaram.
Não secam.
Não secarão.
Brotam, fresco e límpido,
Todo o amor do mundo
Num só momento,
Num átomo de tempo.
jpv

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