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Corpo sem Sonho nem Quimera


(Imagem jpv)


Rasgo o pulso do tempo.
Procuro a cada hora
Encontrar o que está por fora
De um único e irrepetível momento.

Amo o vento
E o frio
Rasgando-me a carne.
Amo o suor e a dor,
O lazer e o labor,
A luz do fogo
Enquanto arde.

Amo quem parte
Como quem fica.
Amo o homem que ordena
E o que suplica.
Amo hoje o dia que passa
E amanhã o que passou.
Amo e odeio
O homem que me prendeu
E a vertigem que me libertou.

Não sei quem seja.
Nem ateu,
Nem homem de igreja.
Nem bêbado cambaleando,
Nem sóbrio sem emoção.
Sou uma triste e alegre visão
De mim.
Um rio sem fim,
Correndo para o mar,
Uma gaivota cortando o ar,
Uma mão afagando um púbis,
Um poeta esgazeado
E perplexo.
Um entumescido
E laborioso sexo,
Uma carícia dolente
E dedicada.
Uma procura solitária
E desesperada.

E há essa impossibilidade.
Essa mordaça
Na voz e no peito
Que me tolhe a vontade
E desconcerta o jeito.
Há essa impotência
Em mim,
De ver-te partir,
E saber
Que não foi o fim.
Há esse grito
Silenciado,
Esse gesto
Pequeno e torturado.
Esse querer e não poder querer-te.
Me.

Não sei já do sangue
Nem da palavra.
Não me lembro do teu toque
Nem da tua voz.
O pouco que resta de ti
Habita em nós
E perde-se
A cada gesto desenhado,
A cada braço estendido,
A cada mão aberta,
A cada corpo amparado.

A vida...
A vida não existe.
É mera sombra,
Fractal impreciso,
Puta cansada e triste
Rejeitando uma voz que insiste...
E entrega-lhe o corpo,
Esvazia a alma,
Abandona a intenção
E perde a memória
Da razão... original.

O tempo não tem pulso
E dentro de cada momento
Não está nada.
A vida,
Se fosse alguma coisa,
Seria uma intenção abandonada.

Afinal,
Não amo nada.
Nada odeio.
Pensei ser o centro e o meio 
De tudo.
E quedei-me cego e mudo
Quando finalmente percebi
Que nem pelas palavras
Estou aqui.

Ausência.
Espera.
Corpo sem sonho nem quimera.
Cadáver ofegante
Do homem que desespera.
jpv


À Deriva do Atlântico


À Deriva do Atlântico

Estou aqui sentado
Nesta pequena canoa
Vou-me então transformar
Em Fernando Pessoa.

Só tenho dois companheiros
O lápis e o papel
E sou alimentado
Por um pote de mel.

Olho para o mar
O mar extenso e sombrio.
Quando penso na solidão
Até sinto um arrepio.

Sinto saudade de uma Rosa
Ou então de uma tília
No mar vejo o reflexo
De toda a minha família.

Os meus amigos despejados
Por um grande cano
Eu estou neste barco
À deriva do Oceano.

Ao escrever estas palavras
Cheias de fantasia
E ao digitar este poema
Fico cheio de alegria.

Passei muitos dias
No oceano a navegar
Mas a terra está à vista!
E bem irei ficar.

Manuel Pessoa
12 anos
(Texto sem correções nem limadelas nem aperfeiçoamentos. Transcrito ipsis verbis do original)

Crónicas de África - A Inigualável Gente de Moçambique

 

Crónicas de África - A Inigualável Gente de Moçambique


Só mesmo em Moçambique: regressámos há duas breves semanas e há já tanto para contar. Histórias com gente dentro.

Hoje, propositadamente, substituímos a habitual foto das "Crónicas de África" por essa que aí está e que retirámos da página Moz Maníacos no Facebook. Fizemo-lo porque estes sorrisos não os conhecemos em mais lado nenhum. São genuínos, transpiram a alegria verdadeira de quem não sabe ser de outra maneira. Há uma esperança no olhar de cada moçambicano que não sabemos de onde vem, mas que sabemos ser parte da identidade deste povo. E há também uma verdade transparente em cada pessoa, mesmo que essa verdade não nos agrade. Os moçambicanos são ímpares. Inigualáveis. São o que são, dizem o que têm a dizer, fazem o que têm a fazer, sempre com essa transparência expectável, sempre com um sorriso e uma alegria desconcertantes. Quatro breves apontamentos.

O Assalto.
Não vou entrar em pormenores. Não é isso que interessa. O que me interessa é a conclusão da história. Fui almoçar. Deixei uma pasta com um computador debaixo do banco do pendura. Claro que me tiraram a fechadura do carro, destrancaram a porta, abriram a mala, tiraram o computador, voltaram a fechar a mala, colocaram a fechadura no sítio e fecharam a porta. Quer dizer, toda a gente tem princípios, até um larápio de computadores. Se era para palmar o computador, não havia necessidade de estragar a viatura. Mai nada. Assim que chego a casa, estranho o facto da porta de trás estar a abrir mal, mas penso que se trata de uma avaria, a minha mulher sente a pasta mais leve, oh se estava(!), abre-a e computador viste-lo. Relaciono uma coisa com a outra, meto-me no carro, vou ao local onde tinha estacionado o carro para almoçar, chamo o arrumador a quem tinha pago para guardar o carro e nem lhe dou hipótese de argumentar, nem sequer lhe pergunto se sabe do computador, mostro-lhe o branco do olho e o ranger dos dentes e peço-lho de volta com a convicção firme de que ele o tinha e eu o queria. Resultou. Ele levou-me a quem o tinha que, perante argumentos similares, branco do olho e ranger de dentes, não hesitou em devolver-me o computador. A história acabaria aqui. Acontece que estamos em Moçambique, acontece que esta crónica teve uma introdução e é necessário que esta historieta seja coerente com ela. No momento em que me estende o computador embrulhado num saco preto, o larápio olha-me a medo e diz:
- Desculpa lá, boss.
Caros amigos e leitores, onde, em que outro lugar do mundo, é que um larápio devolve o produto do roubo e pede desculpa ao lesado?

Welcome Drink.
Um dos hipermercados a que vamos, também não há assim tantos, o Mica Premier, tem um bar com um longo balcão e umas mesinhas onde, por exemplo, se pode tomar o pequeno almoço. Uma vez por semana, ao sábado de manhã, costumo beber lá um café. Não é uma regra. É um hábito. Ora, com o café e a natural simpatia e abertura dos moçambicanos ajudando a isto o facto de, de vez em quando, eu vestir uma camisola do Benfica, os empregados foram metendo conversa, eu fui respondendo, criámos ali uma saudável picardia e umas palavras de saudação no início de cada fim de semana. Para mim, eram uma presença simpática a acordar-me o sábado. Para eles, pensei ser só mais um cliente. E até talvez seja, mas há algo especial nos moçambicanos: a forma generosa como reagem à simpatia. Um dia destes, penso que na sexta feira, passei por lá a beber um café antes de ir comprar não sei o quê para a despensa e eles vai de saírem para o lado de cá do balcão e distribuir demorados e apertados abraços, Então, porque nos abandonou tanto tempo? Estive de férias, fui ver o meu filho e a minha família. E encontrou tudo bem por lá? Graças a Deus. E vocês, estiveram bem por cá? E a conversa desenrolou-se e os abraços repetiram-se e eles renovaram as saudações e entretanto bebi o café e quando pedi para pagar eles disseram-me que pagavam eles, era uma Welcome Drink. Eu sei o preço do dinheiro para estas pessoas, por isso insisti para pagar até que um explicou. Nem pense nisso, hoje pagamos mesmo nós, é que pusemos um metical por dia de parte enquanto esteve fora para lhe poder pagar um café quando voltasse. E pronto. Lá segurei as emoções como pude, mas não há qualquer dúvida de que os meus companheiros de saudação matinal ao sábado e discussão dos lances mais duvidosos do futebol de fim de semana me cativaram, uma vez mais, com a sua alegria e a sua simpatia. Como eles se autoproclamam num cartaz, são mesmo capazes de um antendimento excepcionalmente super extraordinário! Mai nada!

É por isso que vale a pena!
Hoje vinha caminhando com a Paula, lado a lado, queimando umas calorias, como eu preciso, meu Deus, e cruzou-se um par de jovens connosco. Ouvimos, de passagem, a voz de um, em tom entusiasmado, revelando ao outro: Assim posso sonhar de duas maneiras! E pronto. Eis a súmula de tudo o que vale a pena nesta terra de oportunidades. Há desvantagens? Claro. Muitas. Mas há essa sensação preciosa que é a tangibilidade do sonho e da esperança. Sim, aqui pode-se sonhar. E, mais do que isso, podem concretizar-se sonhos. Os nossos e os de muita gente à nossa volta. É fundamentalmente por isso que esta terra vale pena!

O Outro Cão.
O nosso cão estava com o pelo demasiado grande. Tão grande que podiam advir-lhe uns incómodos. Ora, quando o mandei tosquiar e me perguntaram como queria o pelo, disse que queria o mais curto possível, nem mais, era o que faltava andar sempre a correr com o cão para o "cabeleireiro". E o veterinário cumpriu a promessa. Deixei-o lá e quando o fui buscar já o guarda estava aqui a rondar o prédio. E a conversa que aconteceu, assim que saí do carro com o cão foi, mais ou menos, assim:
- Eh patrão, tem outro cão?
- Não, C., é o mesmo.
- Não pode. O outro tem o cabelo comprido.
- Não é outro. É o mesmo. Só que lhe mandei cortar o pelo.
Ele olhou demoradamente o cão e rematou:
- Tem a certeza?
- Tenho.
- É que parece mesmo outro.
- Mas é mesmo o mesmo.
- OK.
E abriu um sorriso confiando que eu estava mesmo certo de ser o mesmo cão. Não fosse a vida pregar alguma partida e surpreendi-me a olhar para o cão a verificar os traços. Era o mesmo. Pelo menos responde pelo mesmo nome!

Cada dia, uma aventura, uma surpresa. Umas boas. Outras más. Cada dia, esta terra e, sobretudo, esta gente com que me cruzo, vai entrando na minha vida e nos planos dos meus gestos. É uma terra fantástica. Diferente, em tudo, de tudo o que conheço. É uma gente de sonho e esperança. Inigualável.

jpv

ErotiKa - O Erotismo da Ignorância


AVISO

Esta publicação contém um texto de teor erótico. Se se sente ofendido com textos, imagens ou quaisquer conteúdos sobre erotismo e sexualidade por favor não prossiga.

Do mesmo modo, o conteúdo desta publicação só pode ser acedido por pessoas maiores de 18 anos.

Assim, caso prossiga com a leitura, o utilizador fá-lo por vontade própria e assume ter idade para aceder aos conteúdos.

Obrigado
jpv
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ErotiKa - O Erotismo da Ignorância

Estão num hotel com decoração rústica. Sentam-se lado a lado num enorme sofá do átrio e ela diz-lhe:
- Isto é uma loucura. Ainda não sei porque aceitei vir contigo. Mal te conheço.
- Porque quiseste. Tal como eu quis cometer a insanidade de convidar-te.
Ela sorri e oferece-lhe um olhar terno e vencido. Ele sente-se confortado, inclina-se para ela e beija-a longamente. Sentiu-lhe o odor adocicado do corpo e a suavidade da pele. Não podiam continuar ali. Subiram. E a sinfonia dos corpos continuou. Não era bem uma sinfonia. Era mais um tango ritmado, compassado e sensual em erupções de êxtase. Ele despiu-a com gestos firmes, quase bruscos, acariciou-lhe o pescoço, beijou-lhe a face e os seios e as suas mãos procuraram-lhe as formas, preencheram-se com elas e exploraram-na com avidez. E ela entregou-se-lhe. Deixou-se conduzir até o acolher em si. E quando terminaram, a vertigem do desejo era tal que recomeçaram tudo de novo. Ela está de quatro na cama e oferece-lhe as nádegas alvas. Ele olha-as enquanto entra nela devagarinho. E acorda. E olha à sua volta e vê uma cama vazia. Está suado. Sonhou. Levanta-se, vai tomar um duche e masturba-se com as imagens eróticas do sonho ainda na cabeça. Percebe tudo. Percebe que possa ter um sonho erótico após a sua separação. Só não percebe porque o teve com ela. Tanto quanto sabe, ela nem sonha que ele existe. Não nota a sua presença para lá do Bom dia, Boa tarde. Colegas distantes... porquê ela? É uma mulher interessante, sim. Mesmo sensual, mas nunca lhe ocorrera tal possibilidade. Porquê emergir assim tão vívida e erótica num sonho? Não esqueceu. Mas desligou.

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O dia correu-lhe bem. Sente-se tranquila e realizada. Finalmente superou as perturbações da separação. As práticas, do dia-a-dia, e as da mente que são bem mais complexas. Está em paz consigo própria. Hoje, sim, talvez precisasse de um homem... precisamente porque já não precisa deles. Chegou a casa, tomou um duche, confecionou uma refeição simples mas requintada, apagou as luzes, acendeu uma vela, recostou-se no sofá com as pernas estendidas e o copo de pé alto na mão e foi pensando nas incidências do dia enquanto tocava com a ponta dos dedos, muito suavemente, na zona interior da coxa. Viu-o na mente, numa pose que ele costumava fazer quando se sentava à secretária, e intensificou as carícias. Encolheu ligeiramente as pernas e procurou-se debaixo da túnica. Encontrou-se quente e húmida e explorou os caminhos do prazer e da excitação. Demorou-se. Abandonou-se à fantasia do sexo vigoroso com ele depois de fechada a porta do seu escritório. Não terminou. Foi terminando. E quando se sentiu saciada, estava de novo em paz consigo e com o Universo. Percebe tudo. Só não percebe uma coisa. Porquê ele? É um homem interessante, sim. Mesmo sensual, mas nunca lhe ocorrera tal possibilidade. Porquê emergir assim tão vívido e erótico numa fantasia? Não esqueceu. Mas desligou.


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Por vezes, a vida faz planos por nós. Gere as nossas emoções como se nos conhecesse as vivências. E talvez conheça. Por isso lhe chamamos vida. Estiveram uns quinze dias sem ver-se. Nem mesmo à distância. Um fim de semana, uns dias de férias dele, outro 
fim de semana, uns dias de férias dela, outro fim de semana ainda e quando vieram a encontrar-se na cafetaria da empresa, acordou-se em ambos o que desligado ficara. Num impulso inexplicável e inusitado, mas perfeitamente natural entre colegas, ele dirigiu-se para ela, disse, Bom dia, desejou-lhe uma boa semana de trabalho, colocou-lhe uma mão nas costas como quem a ampara e deu-lhe dois beijos na face que ela retribuiu.

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Os lábios dela na face dele queimaram-lhe a pele e trouxeram-lhe à mente cada pormenor do sonho espontâneo e secreto. Sentiu-se estremecer de emoção como se os lábios dela fossem o centro do Universo e estivesse neles toda a suavidade, toda a sensualidade e toda a energia do mundo. Ela apercebeu-se de qualquer coisa diferente no olhar e na pose dele, mas não conseguiu identificar o quê.


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A mão dele nas costas dela. Sentiu-se acariciada, envolvida, puxada com vigor e possuída e toda a fantasia que tivera lhe correu a mente e a mão dele queimou-lhe a pele de ansiedade e desejo. Estremeceu de sensualidade e emoção e a sua face ruboresceu levemente. Pediu aos deuses que não se notasse. Mas notou-se. Ele viu esse rubor na face dela, percebeu-lhe qualquer coisa diferente no sorriso cândido, mas não conseguiu identificar o quê.


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Fizeram um brevíssimo compasso de espera, trocaram um olhar tímido, terminaram o cumprimento e voltaram às suas vidas na ignorância do erotismo.
jpv

"Os Lusíadas"

Num post recente, chamado "Citação da Vida", coloquei uma citação do filme Forrest Gump com uma imagem do protagonista, Tom Hanks. Surgiu um comentário muito simpático de um ex-aluno que trazia à baila memórias gratas. Não foi preciso mais para que a leitora MargaridaL mostrasse curiosidade, também nos comentários e logo surgiram alguns mails a pedir o trabalho. Foi há muitos anos e só me resta um velho guião das temáticas abordadas e dos excertos de filmes e de "Os Lusíadas" que as demonstravam.

A ideia era mostrar a intemporalidade da obra, ou seja, que muitos séculos depois, através de uma arte muito consumida, o cinema, as pessoas continuavam a revisitar as temáticas que Camões desenvolvera. A apresentação demorava três horas e aqui fica o seu esqueleto. É importante notar que não havia Internet e tudo foi feito vendo filmes e gravando excertos numa cassete vhs. Só é pena não ter os excertos em formato digital para vo-los mostrar, mas à medida que os for encontrando, vou acrescentando aqui os clips. O texto do guião é o original, ou seja, aquele que produzi há quase vinte anos e servia somente para eu fazer a articulação entre as leituras e a passagem dos excertos dos filmes. Divirtam-se!
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"Os Lusíadas" - Uma Proposta de Abordagem
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A INTRODUÇÃO
Não nos enganaremos muito se dissermos que, de uma forma ou de outra, todas as histórias têm uma introdução. De facto, frequentemente o autor sente a necessidade de apresentar a história antes de a desenvolver... “Os Lusíadas” não fogem a esta tendência e têm a sua PROPOSIÇÃO. Aí se apresenta a obra denunciado-se o que nela se poderá encontrar.
Camões começa por falar de um passado recente:
As armas e os Barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,(. ..)
O mesmo tipo de referência a um passado recente acontece no filme A GATA BORRALHEIRA, da Walt Disney, de 1992. (Excerto)
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O poeta fala, depois, de um passado mais longínquo:
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
É também a um passado longínquo que nos leva o Dr. Watson quando conta as aventuras de Sherlock Holmes, ainda adolescente. É a imaginação de Steven Spielberg em O ENIGMA DA PIRÂMIDE de 1985. (Excerto)
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No fundo, a PROPOSIÇÃO d' "Os Lusíadas" prepara-nos para todas as aventuras, para todas as vidas dos lusitanos... Tal como o faz FORREST GUMP, referindo-se aos seus sapatos na introdução do filme homónimo realizado em 1995 por Robert Zemeckis. (Excerto)
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A TEMÁTICA DO DESTINO
Mas, em todas as histórias, nomeadamente nas épicas, há destino em jogo e há influências mais ou menos poderosas que tentam controlar os destinos. Nós humanos, não raro, julgamos controlar o nosso destino e esquecemo-nos de que, por vezes, os deuses têm uma palavrinha a dizer... Esta “personificação” das forças do destino em divindades quase sempre tem efeitos narrativos interessantes permitindo-nos visualizar, claramente, as referidas forças. N' “Os Lusíadas” analisamos, muitas vezes, com os alunos, o episódio do CONCILIO DOS DEUSES e aí, as divindades decidem ajudar os portugueses:
Que sejam, determino, agasalhados
Nesta costa africana como amigos.
E, tendo guarnecida a lassa frota,
Tornarão a seguir sua longa rota.
Segundo a Walt Disney, no filme O TROMBONE BARULHENTO de 1990, o concílio dos deuses resulta numa ajuda, não aos nautas mas... ao Pato Donald! (Excerto)
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Não são só os deuses etéreos que reúnem, também os deuses marítimos se juntam para conversar e conviver no seu húmido elemento:
Julgando já Neptuno que seria
Estranho caso aquele, logo manda
Tritão, que chame os deuses da água fria,
Até parece que alguém da Walt Disney leu "Os Lusíadas" antes da produção do filme A PEQUENA SEREIA em 1991. (Excerto)
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Para concluir esta questão do poder divino sobre os humanos e das suas secretas reuniões trouxemos uma das mais interessantes e cómicas abordagens do assunto nos últimos anos. Está logo no início da obra NA PELE DE UMA LOIRA realizada por Blake Edwards em 1991. (Excerto)
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A TEMÁTICA DO AMOR
Seja qual for o destino das personagens a uma boa história não pode faltar esse condimento que é também o condimento da própria vida: O AMOR. Não é possível prescindir de um sentimento tão belo e profundo, no entanto é preciso estarmos conscientes de que o AMOR nem sempre se manifesta da forma que mais desejamos. Na verdade, da mesma forma que nos transporta para a felicidade, pode precipitar-nos para o sofrimento. Vejamos, então, algumas das diferentes manifestações desse nobre sentimento:
Por vezes assume a máscara da SEDUÇÃO para se conseguir que um pedido de ajuda seja atendido. É o que acontece com Vénus que seduz Júpiter ao mesmo tempo que lhe pede ajuda para os portugueses:
E, por mais namorar o soberano Padre(...)
Os crespos fios de ouro se esparziam
Pelo colo que a neve escurecia;
Andando, as lácteas tetas lhe tremiam(...)
E destas brandas mostras comovido,(...)
Formosa filha minha não temais
Perigo algum nos vossos lusitanos,(...)
Do mesmo modo, Kim Basinger seduz, suplica e consegue de Richard Gere ajuda para a sua irmã, Diana no filme DESEJOS FINAIS de Phil Joanou de 1992. (Excerto)
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Pode-se igualmente conseguir ajuda apelando, não para a sedução, mas para o AMOR PATERNO, de facto, um pai ama tudo o que uma filha ama, mesmo que, à partida, se mostre relutante. É o que acontece com a súplica da Formosíssima Maria a seu pai, D. Afonso IV, quando lhe pede que ajude seu marido, apesar deste ser o Rei de Castela:
Portanto, ó Rei,(...)
Se esse gesto, que mostras claro e ledo,
De pai o verdadeiro amor assela
Acude e corre, pai, que, se não corres,
Pode ser que não aches quem socorres.(...)
Tudo o clemente Padre lhe concede,(...)
Também o pai aceita tudo o que a filha lhe pede, movido por esse amor que só os pais entendem em O PAI DA NOIVA, realizado por Charles Shyer em 1992. (Excerto)
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Mas, por vezes, o AMOR É IMPOSSÍVEL, chega mesmo a ser tragicamente impossível. O Gigante Adamastor é vítima da impossibilidade de concretizar o seu amor por Thétis, pois como pode um monstro disforme ser correspondido por uma bela ninfa?
Todas as Deusas desprezei do Céu,
Só por amar das águas a princesa.
Um dia a vi,(...)
Sair nua na praia:(...)
Que inda não sinto coisa que mais queira.
Como fosse impossibil alcançá-la,
Pela grandeza feia de meu gesto,(...)
Há, pelo menos, um filme onde o monstro também parece apaixonar-se ao primeiro contacto, e onde, devido ao seu físico descomunal e feio, ele sente a impossibilidade desse amor. Estamos a falar da BELA E O MONSTRO, Walt Disney, 1993. (Excerto)
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Mais triste do que um amor impossível, só quando um dos amantes MORRE POR AMAR o outro como sucede a Inês de Castro:
Ó tu que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar uma donzela,
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la),(...)
Inês mostra uma clara consciência de dar a sua vida pelo amor que tem a Pedro, tal como Elizabeth dá a sua pelo amor que tem ao jovem Sherlock Holmes em O ENIGMA DA PIRÂMIDE, Steven Spielberg, 1985. (2 Excertos)
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E será que somos capazes de resistir à IRA, à VINGANÇA POR AMOR, quando nos roubam, assim, brutalmente, o nosso ente mais amado? Pedro não resistiu e vingou-se como é claro na estrofe 136 do canto III:
Não correu muito tempo que a vingança
Não visse Pedro das mortais feridas,
Que, em tomando do reino a governança,
A tomou dos fugidos homicidas. (...)
É uma visão deste lado cruel do amor que nos dá, em 1996, o realizador David Fincher, na obra SETE PECADOS MORTAIS. (Excerto)
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A TEMÁTICA DA CORAGEM
Um elemento tão necessário como o amor a uma narrativa, sobretudo se se tratar de uma epopeia é a CORAGEM. O interessante, para além de assumir formas variadas, é que a coragem parece estar sempre muito próxima do medo. Uma das primeiras coragens que a vida nos exige é a de assumir a nossa existência, assumir os nossos valores e lutar por eles mesmo que se oponham a valores mais antigos. É preciso respeitar os mais velhos, mas também é necessária a CORAGEM DE OS ULTRAPASSAR (Superação), de os superar. É esta coragem que têm os nautas quando, depois de ouvirem o Velho do Restelo, iniciam a sua viagem, acreditando na sua própria vontade, na sua própria vida:
Oh! Maldito o primeiro que, no mundo,
Nas ondas vela pôs em seco lenho! (...)

Estas sentenças tais o velho honrado
Vociferando estava, quando abrimos
As asas ao sereno e sossegado
Vento, e do porto amado nos partimos.
Este virar de costas ao passado e aos seus valores para lutarmos e vivermos aquilo que acreditamos exige coragem, coragem de superar... Esta situação tem um exemplo interessante no filme COMPANHEIROS DE QUARTO, de Peter Yates, 1996. (Excerto)
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No entanto, mais do que superar o passado torna-se, em determinadas situações, imperioso SUPERARMO-NOS A NÓS PRÓPRIOS (Superação de si mesmo) para podermos continuar a viver, mais do que isso, a ser livres. É esta situação que vive D. Nuno Álvares Pereira com os companheiros durante a Batalha de Aljubarrota onde, só um esforço de superação do seu próprio valor poderia conduzir à Liberdade. D. Nuno começa por dirigir-se aos duvidosos:
Se o valor tiverdes(...)
Desbaratareis tudo o que quiserdes(...)
E se (...)vos não moverdes
Do penetrante medo que tomastes,
Atai as mãos ao vosso vão receio,Que, eu só, resistirei ao jugo alheio
Perante estas palavras de incentivo e desafio os homens avançaram para a batalha que viria a ser de glória mas, como todas, de violência, de sangue, de morte:
Já pelo espesso ar os estridentes
Farpões, setas e vários tiros voam;
Debaixo dos pés duros dos ardentes
Cavalos treme a terra, os vales soam.
Espedaçam-se as lanças, e as frequentes
Quedas co’ as duras armas tudo atroam.
Um exemplo flagrante desta coragem e que ilustra bem as palavras de Camões é-nos dado no filme BRAVEHEART, realizado em 1996 por Mel Gibson. (Excerto)
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Como já deixámos antever, aliado à coragem está sempre o medo. Para que a vida prossiga é preciso que SUPEREMOS OS NOSSOS MEDOS, os nossos fantasmas, os nossos Adamastores. Na verdade, o gigante simboliza o medo do desconhecido e os nautas são a força que supera esse medo:
Súbito d’ante os olhos se apartou.
Desfez-se a nuvem negra, (...)
Este momento em que dobramos o medo do que vem a seguir, do desconhecido, é sempre fulcral nas nossas vidas e determinante do nosso futuro como se vê em O REGRESSO AO FUTURO de Robert Zemeckis, 1985. (Excerto)
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Mas, se o medo é invisível, como enfrentá-lo? Ao longo dos séculos, os autores têm superado esta questão através da PERSONIFICAÇÃO DO MEDO, até porque, desta forma, o receptor pode aperceber-se melhor da grandiosidade da coragem de quem supera esse medo: trago-vos duas dessas personificações que, tendo quatro séculos a separá-las, são igualmente expressivas e, até certo ponto, similares.
A primeira é:
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os Olhos encovados, e a postura
Medonha e má(...)
A boca negra, os dentes amarelos.
A segunda é:
ALIEN III, David Fincher, 1993. (Excerto)
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Observemos agora o outro lado da coragem - A FANFARRONICE - É uma filha menos nobre da coragem, irmã gémea da cobardia, e, juntamente com ela, uma das ovelhas negras da família dos nossos sentimentos. N’ “Os Lusíadas”, Camões já se debruça sobre esta falsa coragem e cria o Veloso que atreve, por arrogância e falsa coragem, a meter-se pelo mato dentro com uns nativos quando desembarcam na Baía de Stª Helena:
E, de arrogante, crê que vai seguro
Mas, sendo um grande espaço já passado, (...)
Aparece e, (...)
Mais apressado do que fora, vinha.
Vejamos um Veloso nosso contemporâneo no filme EXTREMAMENTE PERIGOSOS, Herbert Ross, 1994. (Excerto)
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No entanto, e como qualquer bom fanfarrão, o Veloso não deu parte fraca e contou a história à sua maneira:
Mas, quando eu para cá vi tantos vir
Daqueles cães, depressa um pouco vim,
Por me lembrar que estáveis cá sem mim.
Vejamos se o nosso fanfarrão contemporâneo também sabe contar a história à sua maneira... EXTREMAMENTE PERIGOSOS, Herbert Ross, 1994. (2 Excertos)
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TEMÁTICA DA TEMPESTADE
A verdade é que não há como uma boa prova para testar a nossa coragem. Essa prova é, frequentemente, um fenómeno natural, como, por exemplo, uma TEMPESTADE. Muitas vezes estudamos, com os nossos alunos, este trecho:
O céu fere com gritos(...)
Que, no romper da vela, a nau pendente
Toma grão suma de água pelo bordo. (...)

Nos altíssimos mares que crescem,
A pequena grandura dum batel
Mostra a possante nau, (...)

Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo;
Agora a ver parece que desciam
As íntimas entranhas do profundo.
Verifique-se como é óbvia a semelhança e como é fácil materializar, visualizar esta descrição apocalíptica através de um excerto do filme A ILHA DAS CABEÇAS CORTADAS de Renny Harlin, 1995. (Excerto)
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A TEMÁTICA DA DECADÊNCIA PELA AMBIÇÃO DESMEDIDA
Se tivermos coragem para ultrapassar todas as dificuldades e obstáculos, arriscamo-nos a realizar o nosso sonho, mas cuidado para que as vitórias não vos façam incorrer na AMBIÇÃO DESMEDIDA porque esta leva à decadência e até à própria morte! É Camões que nos avisa:
E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente.
Este tema da decadência pela ambição desmedida, da efemeridade dos bens materiais que não só não valorizam as gentes mas as podem precipitar no abismo da decadência vai ser retomado muitas vezes ao longo dos séculos e irá encontrar no cinema um campo fértil para se desenvolver, tal como em INDIANA JONES E A ÚLTIMA CRUZADA, de Steven Spielberg, 1990. (Excerto)
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TEMÁTICA DA CONCRETIZAÇÃO DO SONHO
Conciliada a vontade dos deuses, ou seja, a força do destino, com a capacidade de amar, com a coragem para superar obstáculos e evitada uma ambição desmedida, então o sonho concretiza-se! “Os Lusíadas” são isso mesmo, A EPOPEIA DA CONCRETIZAÇÃO DO SONHO - a descoberta do caminho marítimo para a Índia:
Depois que a larga terra lhe aparece,
Fim de suas porfias tão constantes,(...)

Leves embarcações de pescadores
Acharam,(...)
Para lá logo as proas se inclinaram,(...)

Lá bem no grande monte que, cortando
Tão larga terra, toda a Ásia discorre,(...)
O momento da concretização do sonho tem sido objecto de várias interpretações cinematográficas. Nós escolhemos aquela que nos parece ser a mais expressiva e, talvez, a mais similar à situação que o Gama viveu. 1492, Ridley Scott, 1992. (Excerto)
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TEMÁTICA DA RECOMPENSA
Concretizado o sonho, por meio de um esforço para além do que prometia a força humana, isto é, de um esforço heróico, épico, torna-se indispensável premiar os heróis com algo mais do que a honra do acto em si, é preciso materializar a recompensa, uma recompensa acima de todas as outras: A ILHA DOS AMORES que vem ao encontro dos nautas e onde estes se unirão às ninfas para dar origem a uma nova geração:
De longe a Ilha viram, fresca e bela,
Que Vénus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Para onde a forte armada se enxergava;
Que, por que não passassem, sem que nela
Tomassem porto, como desejava,
Para onde as naus navegam a movia
A Acidália, que tudo, enfim, podia.
O prémio que vou mostrar-vos também é a recompensa de um esforço heróico, também é trazido por uma entidade sobre-humana, também é uma ilha móvel, também vem ao encontro dos nautas, também une um nauta e uma ninfa num beijo glorioso que, esperemos, dê origem a uma nova geração. Foi no dia em que vimos este filme que idealizámos o presente trabalho. Trata-se de O ABISMO, de James Cameron, 1990. (Excerto)
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