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Uma Mão Negra Numa Mão Branca


As Cores da Capulana

Uma Mão Negra Numa Mão Branca

Uma mão negra
Numa mão branca,
Umas calças
E uma camisa...
Pouco mais
Um homem precisa.

Uma mão negra
Numa mão branca,
Uma saia
E uma blusa...
Pouco mais
Uma mulher usa.

Uma mão negra
Numa mão branca,
Uma conversa arrolhada,
Uma carícia,
Um beijo na testa
E outra frase namorada.

Uma mão negra
Numa mão branca,
Um caderno
Debaixo do braço
E outro caderno
Debaixo do braço.
Um peito inflamado
Um olhar brotando ternura...
Entre a mão negra
E a branca mão
Há uma nascente da coisa mais pura.

Uma mão negra
Numa mão branca.

jpv

Crónicas de África - Coisas do Quotidiano (1)

Crónicas de África - Coisas do Quotidiano (1)

Maputo, 6 de abril de 2014

Acontecem-me, por vezes, alguns pormenores no dia-a-dia que penso dariam uma "Crónica de África", mas depois, olhando bem, não há assunto para tanto. Decidi, assim, colecioná-los e, em tendo três ou quatro, faço uma "Crónica de África" intitulada "Coisas do Quotidiano".

É este o caso. São alguns pormenores da interessante e insubstituível vida em África com Moçambique como pano de fundo o que torna tudo ainda mais interessante. Deixemo-nos de demoras e vamos a histórias.

Os Chinelos
Num fim-de-semana próximo, fomos dar um passeio de domingo à tarde. Daqueles em que se lava o carro no rio e se come frango assado na beira da estrada. Revisitámos Boane e a ponte onde o rio fornece a água para o Car-Wash mais ambientalista do Universo. Baldes de água atirados por cima dos carros e mãos laboriosas a lavá-los. Acontece que o caudal do rio tinha subido imenso e não foi possível lavar o carro com a mesma calma. Em vez disso, o Marco, os miúdos e mais uma carrada de pequenitos que já por ali estavam, resolveram atirar-se ao rio e atravessar a ponte... por baixo! Empurrados pela corrente forte, apanhavam boleia da água e já do outro lado da ponte, tinham de nadar para a margem. Exatamente na margem, presenciei um pormenor de partilha que me comoveu. As pessoas de Moçambique são boas. São especiais. São especialmente boas. Eram quatro meninas. De mãos dadas como é comum aqui. Ora, pelas minhas contas, quatro meninas dá oito pernas e oito pés. Mas só havia dois pares de chinelos, quatro unidades ao todo. E elas vinham chegando à margem do rio para ver a rapaziada nadar cada uma com um pé calçado e outro descalço. O sentido de posse cedeu espaço ao de partilha. É verdade que nenhuma estava completamente calçada, mas é verdade, também, que nenhuma estava completamente descalça!

O Ourives
A Paula queria uvas. Parei numa esquina, junto a um tchova carregado de fruta e com umas uvas lindas. E fui comprar. Quando regressava, reparei que, à sombra da acácia imensa, estava um ourives de rua, sentado num banco, com uma mesinha pequenina à frente, alicates e chaves daquelas pequeninas. E agradeci a Deus a providência de o ter colocado ali naquele dia. A verdade é que o meu relógio de pulso andava no pulso, mas parado. A pilha estava esgotada. Ora, o ourives tinha uma invejável fileirinha de pilhas de tamanhos diversos em cima da mesa.
- Tens pilha para este?
- Tenho, boss.
- Sabes mudar?
- Sei, boss.
- Muda lá.
Ele abriu o relógio em menos de três tempos. Tirou uma pilha de um pacotezinho que estava fechado a certificar que era nova e assim que a colocou o relógio começou a trabalhar. Depois vinha a última tarefa: fechar o relógio. Ele fez força até suar, rodou-o nas mãos diversas vezes, pediu a um amigo que estava encostado à árvore e os dois, em conjunto, apertaram o relógio à força toda, mas ele nada, nem sinais de fechar-se, a tampinha continuava solta. Eu fiquei à espera confiando que ele acabaria por conseguir e decidi não interferir com o trabalho dele, mas tive de o fazer quando o vi segurar a tampinha com muito cuidado e levar o relógio à boca. Ele ia fechá-lo à dentada! A visão do visor partido na boca dele não me agradou, como não me agradou ficar com o relógio aberto e por isso interrompi.
- Não, não, não. Não faças isso. Pára, pára... ouve lá, então tu abres o relógio e agora não és capaz de o fechar? Se não eras capaz de o fechar, não o tinhas aberto.
- Ó boss, mas a culpa não é minha!
- Ai não? Então é de quem?
- O teu relógio é que está a complicar!
- O meu relógio? Um relógio é só um relógio, não complica.
- Pois boss, mas esses aí, eu mudei e eles não complicaram. Este é que está a complicar.
- Então agora a culpa é do relógio?
- É!
Ouvi uma gargalhada à minha volta que queria dizer ficaste com o relógio aberto e ainda levas as culpas para casa. Resmunguei mais umas coisas com ele, trouxe o culpado para casa que está a cumprir castigo, todo esventrado, em cima da mesa de cabeceira. Com Deus, ajusto contas mais tarde!

A Foto
Há umas semanas para cá, andamos à procura de casa. Estamos bem instalados e gostamos da zona, a casa é muito boa e o senhorio fantástico. Mas falta um quintalinho. Coisas de quem não sabe estar bem. Então, compramos o jornal, espreitamos os anúncios, vamos à Internet, vemos a oferta e, ocasionalmente, telefonamos a um agente e vamos ver uma casa. Nos meus contactos, já tenho alguns vinte agentes e já devo ter visitado dois terços das casas disponíveis em Maputo. Começo a conhecer bem o mercado e as oscilações de preços. Mas há sempre espaço para uma surpresa. Ou não estivéssemos em África onde todos os padrões e conceitos mudam.
Vimos uma casa num anúncio na Internet. A foto mostrava uma casinha muito arranjadinha, com um quintalinho simpático sendo o único senão o aparente estado degradado do telhado. O anúncio era do próprio dia. Decidi telefonar e a conversa foi mais ou menos assim:
- Bom dia, como está?
- Estou bem e você do seu lado aí?
- Estou bem, Graças a Deus. Olhe, este anúncio duma geminada tipo 3 no bairro central é seu?
- É.
- E a casa precisa de obras ou está pronta a entrar?
- Pronta a entrar. Não precisa obras nenhumas, só as que forem do gosto do cliente.
- Pois, correto, mas olhe que aqui na foto o telhado parece em mau estado.
- Ahhh... essa foto não é da casa!
- Como? Então essa foto aqui não é da casa que está no anúncio?
- Não.
- Então para que é que colocou aqui essa foto?
- Para ilustrar.
- Para ilustrar? Mas a foto não é da casa!
- Mas é parecida...
- Ah, é uma casa lá perto?
- Não. Eu não sei que casa é essa, eu tirei a foto da Internet!
E pronto... fiquei... a pensar que o conceito de anunciar é diferente, tal como o conceito de ilustrar. Não. Não fui ver a casa. Quando as coisas começam assim, é melhor não dar corda ao destino!

O Guarda
Temos um guarda novo no prédio. Um dos outros dois foi despedido e havia que substitui-lo. Quando me apresentaram o A. fiquei surpreendido. Foi por causa de homens assim, que se inventaram expressões como "grande caparro" ou "cabedal do caraças". O moço, que não tem uma pinga de maldade em todo aquele corpo, cresce por aí acima até lá para o metro e noventa e tem uma envergadura que há de ser para aí de metro e meio de ombro a ombro. É moço aí para os seus cem quilitos com a particularidade de se perceber que não há ali uma gordurinha, sequer. Aquilo hão ser músculos rijinhos como o ferro. Apresentaram-mo, cumprimentei-o, desejei-lhe bom trabalho e subi para cima que para baixo não havia caminho. Agarrei na trela do cão, um cocker spaniel minúsculo, a rondar os dez quilos, e voltei a descer para a caminhada de fim de tarde como sempre acontece. Quando o meu pequeno cocker se cruzou com o armário que agora nos guarda as noites, ele, o guarda, soltou um grito, Ehhh, e deu uma corridinha de três ou quatro passos rua acima. Depois, fitou o cão e riu-se. Eu sorri, enchi o peito de ar e pensei, É melhor que os ladrões não venham com com cokers!

E pronto, amigo leitor, por hoje é tudo. Daqui, desta África moçambicana que nos surpreende a cada esquina. Eu ficava mais um bocadinho à conversa, mas perdi a noção do tempo, nem sei que horas são!

jpv

Crónicas de África - Moçambicanização


Crónicas de África - Moçambicanização

Maputo, 22 de março de 2014.


Caro leitor, hoje, por razões que perceberás mais adiante, vou tratar-te por tu. Não leves a mal, não é falta de respeito. É moçambicanização.

Um dia destes, utilizei uma expressão tipicamente moçambicana no discurso e a pessoa que estava comigo comentou:
- Estás mesmo queimado!
Lembrei-me, então, que há por aqui duas expressões para quem está integrado e adaptado. Uma é "estar queimado" e a outra é "estar cafrealizado". Honestamente, parece-me que há certo tom pejorativo nas expressões, mas nunca tirei isso a limpo. Se estiver a ferir alguma suscetibilidade, desde já, peço desculpa. É pura ignorância. O facto de me dizerem que estava queimado agradou-me. Gosto desta terra, gosto de sentir-me integrado nela. Mesmo que isso implique mudanças. Afinal de contas, as pessoas mudam. Em África, mesmo as mais graníticas, acabam por mudar. As exigências da adaptabilidade falam mais alto.

Alguns dos sinais de mudança, alguns traços de moçambicanização, têm a sua graça, outros são peculiares e todos juntos contribuem para que, sendo os mesmos, sejamos outros.

Ya!
Uma das primeiras coisas a mudar é o registo discursivo, nomeadamente, a oralidade. O tom da voz, o bailado das frases e, claro, as expressões. Ya é a primeira delas. Em vez de sim ou outras expressões de afirmação e anuência, o Ya surge a marcar o início do processo de moçambicanização. Estava em Moçambique há três meses quando, numa reunião, alguém me disse:
- Já apanhaste o Ya.
Depois, lá vem o nice e, se um dia disseres que tens de ir para casa jobar porque ainda não corrigiste os testes todos, aí, estás para lá de moçambicanizado!

O Andar
Deixa de ser enérgico e determinado, mesmo que mantenha alguma energia e determinação. Por aqui, a vida tem ritmos diferentes. Tem compassos e esperas próprios e o andar das pessoas transforma-se numa passada mais arrastada, mais desleixada sem que haja nisso desleixo. É como se as pernas não fossem mas se deixassem ir.

Coleman
Cá não se diz arca frigorífica. Diz-se Coleman que é uma marca delas. A mais popular. São enormes. E, na sua maioria, os vendedores de bebidas frescas de beira da estrada usam Coleman. Se o teu porta-bagagens anda a passear uma Coleman sem razão aparente, enfim, por duas razões, pelo sim e pelo não, então estás mesmo a integrar-te. Eu acho que ninguém sai de Maputo para andar 50km sem levar logo uma azulinha consigo. Devidamente recheada.

O Carro
Não é impossível viver sem carro próprio em Maputo, mas é muito difícil. Assim, amigo leitor, se pensas em emigrar para Maputo, a compra de um carro em segunda mão deve estar nos planos. Os carros aqui são em segunda mão, japoneses, automáticos, a gasolina e, se puderes, 4x4. Não sei como é que leste a expressão 4x4. Provavelmente leste quatro por quatro. Tá maaal. Toda a gente sabe que se diz four by four que é como quem diz for bai for. Ora experimenta dizer isso muito rápido e obtens um vocábulo interessante. O típico fóbáfó!
Há tiques de moçambicanização relacionados com o carro e a condução. Deves desconfiar que estás a ficar moçambicanizado quando notares que:
      - Andas com um objeto contundente junto aos bancos da frente. Já vi homens e senhoras, não é uma questão de género, portanto, com martelos, catanas, tacos de beisebol, de golf, bastões, enfim, toda uma parafernália de objetos da categoria "para o que der e vier".
      - Trazes o porta-bagagens do carro todo artilhado. Compressor, chaves de diversos tipos e utilidades, jumpers, lanternas, facas do mato, latas de spray anti-furo, um cabo de aço, uma pá, uma tira de reboque e um jerrican para combustível. Nada disto é excessivo. É tudo normal. E muito moçambicano.
      - Atestas o depósito assim que chega a meio. Aliás, fazes de atestar o depósito um hábito regular e tens a preocupação de não correr o risco dele baixar a menos de meio não vá o diabo tecê-las? Pronto, estás moçambicanizado!
      - Foste ao Estrela e mandaste gravar a matrícula nos retrovisores e nas óticas dos faróis? Mocambicanizado! E o mais engraçado é que, quando fores a Nelspruit e estacionares o teu carro, vais sentir-te diferente. O teu carro é o único com rebites nos piscas e matrícula gravada nos retrovisores. Quer dizer, o único não será...
      - Outro aspeto interessante no processo de aculturação a Moçambique e a Maputo, em particular, é a forma como ages e reages no trânsito. A perspetiva muda. Na verdade, mudam duas perspetivas. A primeira é a do relacionamento com os outros condutores. Por aqui, apesar do trânsito caótico, os condutores não espetam o dedo do meio no ar, não ralham e raramente buzinam. A buzina é muito usada mas é para pequenos avisos, para anunciar a passagem. Raramente para ralhar. O dedo do meio espetado no ar dá lugar a um OK de polegar esticado, a um aceno, um sorriso, um vá lá, passa lá. A outra perspetiva que muda é a daquilo que fazes e porque o fazes. Também há regras de trânsito, claro, também se respeitam, obviamente, mas só se não estorvarem mais do que outra regra qualquer. Assim, se deres contigo a conduzir por cima do passeio porque na estrada há um buraco com 60cm de profundidade e 2,5m de largo, se deres contigo a passar um semáforo vermelho porque não vem lá ninguém e tens uma chusma de gente atrás de ti, se deres contigo a inventar uma faixa de rodagem que não existia e tu segues por ela só porque há espaço, se deres contigo a mergulhar em lagos de lama só porque decidiste fazer um atalho, se deres contigo a percorrer quinhentos metros de estrada em contra-mão para não ires à volta e teres de percorrer meia cidade, então, amigo leitor, põe a mão na consciência e pensa lá se não serás mais moçambicano do que outra coisa qualquer. No trânsito, em Maputo, há uma regra de ouro que se sobrepõe a todas as outras, chama-se "desempatar" e para desempatar, às vezes, é preciso usar uma ferramenta, chama-se desenrascar! Estorvar é que não vale.

Comprar na Rua
A vida, em Portugal, como se diz agora, é muito indoor. Passamos muito tempo dentro de casa e, quando saímos para o exterior, é para dentro de outros interiores! Centros comerciais, cinemas, lojas diversas, igrejas, casa dos amigos. Todo o comércio é tendencialmente feito indoor. Um dos sinais de moçambicanização é começares a fazer compras na rua. Numa bancada, a um tipo que passa, enquanto estás parado num semáforo. Compram-se legumes, frutas, peixe, amendoim, cajú, o jornal, escovas limpa pára-brisas, crédito para o telefone, filmes, e um sem número de utilidades. Basta um assobio, um aceno, um alô, e tens fornecedor em segundos. Nos primeiros tempos, estranhas um pouco, depois aderes, depois selecionas e compras só determinados produtos a determinados vendedores. Estabeleces uma relação de confiança. Eu, moçambicano me confesso, compro laranjas sempre no mesmo semáforo, o jornal na mesma esquina, as escovas para o limpa pára-brisas do carro sempre no mesmo cruzamento. Para lá de adaptado!

Dinheiro no Bolso
Se dás contigo a levar a mão ao bolso e a tirar umas notas para fazer um qualquer pagamento em vez de sacares do cartão multibanco, isso é... costume moçambicano. O dinheiro, dinheiro, aquele de papel, está mais presente nas nossas vidas do que em Portugal. Há caixas automáticas por todo o lado, todas as lojas têm máquinas de pagamento eletrónico, mas a matriz de vida é diferente. trazer dinheiro é um hábito que decorre de uma necessidade. Ficas munido para imprevistos e os imprevistos, aqui, acontecem. Além disso, o facto de haver muito comércio de rua ajuda ao hábito.

Um Fim-de-Semana em Nelspruit
É sábado. acabaste de almoçar um bom bife, à tua volta há corredores largos e cintilantes, lojas que rebrilham o que têm lá dentro e têm tudo lá dentro, as pessoas passeiam-se em ritmo de lazer e os preços estão em rands! Nelspruit é um gigantesco subúrbio de Maputo. Fica apenas a duzentos quilómetros de distância, duas horas de caminho mais o tempo necessário para passar a fronteira de Ressano Garcia. Já passei os dois lados da fronteira em catorze minutos e já os passei em três longas horas. Depende dos dias e das horas. Muitos moçambicanos trabalham em Nelspruit, muitos outros vão-se lá abastecer de tudo o que necessitam para revender em Moçambique, outros só para abastecerem a despensa e, claro, nós, emigrantes, juntamente com muitos outros moçambicanos, vemos Nelspruit como uma fugida de fim-de-semana, um intervalo na confusão da grande cidade. O trânsito de pessoas e bens entre Maputo e Nelspruit é imenso e uma visita à RSA é também um traço de moçambicanidade. Em jeito de curiosidade, importa dizer que esta cidade criou-se, desenvolveu-se e floresceu após a independência de Moçambique. Antes disso, era meia dúzia de casas num descampado. Hoje é uma cidade enorme, repleta de recursos e equipamentos e muito desenvolvida. Além disso, situa-se na região de Mpumalanga onde fica a zona turística de Panorama que vale muito a pena visitar. Ou seja, se emigraste para Maputo e estás em Nelspruit a falar inglês num centro comercial, a puxar por rands e a olhar para um tipo loiro com 2,10m de altura e 150kg de peso, se entraste num pronto-a-vestir à procura de uma camisa de tamanho L e o S está-te grande, então estás a moçambicanizar.

Coca-Cola
Estava há poucos dias em Maputo quando uma colega moçambicana me disse, Sabes que nos chamam [aos moçambicanos] os Coca-Colas! Ela estava a tomar o pequeno-almoço que consistia numa sandes e... uma Coca-Cola!

Quando cheguei, estranhei não só a oferta massiva de Coca-Cola, que se vende em todo o lado, às vezes, mesmo onde não se vende água, como também o facto de a Coca-Cola ser a bebida engarrafada mais barata de Moçambique, mesmo mais do que a água! De resto, para que o preço não possa ser adulterado, é tabelado e vem gravado nas cápsulas das garrafas. Uma Coca-Cola custa doze meticais, ou seja, qualquer coisa como vinte e cinco cêntimos de euro. Com uma oferta tão vasta do mais popular refresco do país, não admira que quem vive em Moçambique acabe por aderir. Bebe-se Coca-Cola quando está muito calor, bebe-se ao almoço, ao jantar, ao lanche, à noitinha e, como já se disse, é comum beber-se ao pequeno-almoço. Eu cá tenho a teoria de que a Coca-Cola daqui é melhor do que no resto do mundo. Quando cheguei, não gostava de Coca-Cola, não bebia uma garrafa há anos, e hoje consumo com alguma regularidade. E não é que é bom?! Sim, se deres contigo a atravessar a estrada para ires comprar uma Coca-Cola na berma ou, simplesmente, a abrir a janela do carro para comprares uma, estás a moçambicanizar!

Polícia
Se vieres para Maputo, amigo leitor, hás de reparar que há muita polícia na cidade, muitos seguranças, muitas armas. Com o tempo habituas-te. No início, sensivelmente nos primeiros seis meses, mandam-te parar inúmeras vezes e verificam tudo o que houver para verificar. Documentos, chapas de matrícula, pneus, vidros fumados, os selos dos impostos, etc, etc, etc... Depois, assim de reprente e sem razão aparente, deixam de te mandar parar. Quer dizer, não é um "deixam" definitivo, continuam a mandar-te parar uma vez por outra, mas sem aquela frequência inicial e sem aquele frenesim inspetivo dos primeiros tempos. Não sei como é que eles sabem que já não somos recentes, talvez pela matrícula, talvez pelo aspeto, mas sei que, quando a polícia deixa de nos mandar parar por tudo e por nada, isso quer dizer que estamos no bom caminho da integração.

Além destas características ainda há certo enxovalho de roupas, o cantado das frases com uma ou outra palavra em changana que vais aprendendo, as coisas importantes com que deixas de te importar, mas essas que aí ficam registadas, não sendo exclusivas, são bons sinais de moçambicanização. Podes resistir, mas, caso permaneças no país, o mais certo é começares a evidenciar alguns destes sinais, dos quais faz parte falar na segunda pessoa do singular. Não só quando nos dirigimos a outra pessoa. Sempre! Mesmo quando estás a dar um exemplo. Não se diz imaginemos que ou imagine-se que, diz-se logo imagina que...

E pronto, amigo leitor, vai lá à tua vida que eu tenho ali uma Coca-Cola à espera. Fresquinha? Ya, bem nice!
jpv

Crónicas de África - Diferenças Profundas


Crónicas de África - Diferenças Profundas

Maputo, 15 de março de 2014


Quando se vem viver para África, Moçambique, no meu caso, muitas são as diferenças que se encontram e dessas diferenças fui dando notícia na minha escrita de estranhamento e pasmo a que dei o pouco original nome de "Crónicas de África".

Há, mesmo, o hábito, qual desporto instituído, de comparar a vida, a nova vida, moçambicana, com a vida, a velha vida, portuguesa. E não há mal nenhum nisso. São só as pessoas a certificarem-se de que o estranhamento é comum e, como tal, está tudo bem ainda que diferente.

Ao cabo de um ano e meio de vida em Maputo, noto que os ritmos se vão interiorizando e as diferenças esbatendo porque me acomodo àquilo que inicialmente tanto estranhamento causou. Chama-se a isso adaptação.

Há, contudo, aspetos que continuo a estranhar e já sei que são diferentes e já toda a gente sabe que são diferentes e, mesmo assim, sempre que os presencio, sempre que me cruzo com eles, sinto aquela indefinida e familiar sensação de Isto não era assim. É desses aspetos que venho falar-vos. São as diferenças profundas.

As Cores do Verão
O meu verão português e europeu foi sempre seco e amarelo. As searas, as ervas secas, a vegetação moribunda, eram a paisagem. E, onde antes houvera água, deixara de a haver e a paisagem secara. Em África, o Verão é verdejante e húmido. Caem chuvadas torrenciais como se fosse inverno e essa água pródiga, abundante e ruidosa, de pingos largos e pesados, seca em minutos e dá lugar ao mesmo sol que lá estava há pouco. Ainda hoje estranho o facto de estarem trinta e muitos graus, um calor arrasador, e a paisagem ser verdejante e a chuva cair invernia.

A Temperatura da Água
Em Portugal, há duas razões por que evitamos apanhar uma chuvada no lombo. Ficarmos molhados e o gelo da água a incomodar a pele. Aqui, a água, qualquer água exceto a do frigorífico, é quente. Sempre que tenho de cruzar uma chuvada, encolho-me, como toda a gente faz, por causa do friozinho da água, e depois surpreendo-me. A água da chuva é tépida e, como tal, não é agressiva ao toque. Por outro lado, é tanta e tão cerrada que, tentar escapar a uma chuvada é uma tolice. Ao cabo de duas passadas, estamos molhados até às cuecas! Da mesma forma, quando olhamos as águas cristalinas de um rio, ou intensamente azuis do mar, pesamos duas vezes antes de entrar porque a água sempre é fria. Engano nosso. Isso é a realidade portuguesa. Por aqui, os rios e o mar não parecem vir de uma nascente, mas antes de uma longínqua caldeira e ainda trazem parte do calor originário. Molhar os pés é sempre uma surpresa agradável.

Os Rios Correm ao Contrário
Esta diferença pode parecer-vos esquisita. A mais esquisita. Acontece que estranho com frequência a direção dos rios. Eu bem sei que os rios correm todos, ou quase todos, para o mar, mas, ainda assim, o mar aqui está do outro lado! Eu explico... Quando vivemos em Portugal, se vamos para Norte, o mar fica à nossa esquerda, logo, os rios surgem da direita, e se vamos para Sul, o mar fica à direita, logo, os rios surgem da esquerda. Ora, como o mar, aqui, está do lado errado, os rios correm ao contrário. Quando vamos para Norte, o mar fica à nossa direita, logo, os rios surgem da esquerda, e se vamos para Sul, o mar fica à nossa esquerda, logo, os rios surgem da direita. Assim, quando vou a conduzir e me aparece um rio do lado contrário, fico sempre com a sensação de que vou a subir para baixo ou a descer para cima! Confuso? Naaa... Geografia pura!

A Rota do Sol
Que o sol nasce no mar e se põe em terra, habituamo-nos rapidamente. Estranha-se, mas entranha-se. O que custa mais a entranhar é por onde é que ele passa! É comum, andar de cabeça no ar à procura do sol. Em Portugal, até de olhos fechados sei de onde vem e para onde ele vai. Aqui, não consigo achá-lo e tenho esta sensação esquisita de que em Portugal ele me passa pela frente e em Moçambique me passa por trás! O Marco diz que aqui o sol faz um arco não sei das quantas. Sei lá se é um arco. Sei que ele nunca está onde era suposto estar, mesmo já incluindo o facto de andar sempre em marcha-atrás!

A Lei da Oferta e da Procura
Esta é das diferenças mais interessantes em termos culturais. E estranha-se sempre. A verdade é que nos habituámos, em Portugal, ao comodismo de termos o que pedimos e até a exigir o que queremos. Ou seja, de acordo com as regras do mercado, na lei da oferta e da procura, manda a procura. E isso gera expectabilidade e conforto. Pois os livros das leis do mercado, em Moçambique, têm de ser reescritos porquanto, na lei da oferta e da procura, manda a oferta!  Quero com isto dizer que, aqui, os consumidores também procuram, mas só compram o que procuram, se houver. Se não houver compram outra coisa! Não vale a pena habituarmo-nos a um certo sumo, uma determinada compota, um chocolate específico, um creme de barbear ou uma carne e a razão é simples, o facto de estar hoje no supermercado e ter sido consumido, não quer dizer que o produto vá ser reposto. Pode ser. Pode não ser. Há múltiplos fatores que fazem oscilar a fiabilidade da oferta, logo, a expectabilidade e o conforto só existem na seguinte medida: se hoje há o que querias, compra! Amanhã pode não haver, podem mesmo passar-se meses sem que seja reposto. Até já me aconteceu um episódio engraçado. Fui comprar um sumo de maçã ao supermercado e pedi sumo de maçã da marca xis a um funcionário porque não estava a encontrá-lo nas estantes. Ele apontou os sumos de maçã e disse, Está aí! Eu olhei, não vi o sumo e disse-lhe que não estava. Ele voltou a apontar e esclareceu com ar admirado, Quer sumo de maçã? Está aí sumo de maçã! E sorriu. Eu também e trouxe de outra marca.

Os Supermercados Mandam Menos
Uma coisa a que paulatinamente nos fomos habituando em Portugal e depois deixámos de estranhar é a ditadura dos supermercados em relação ao calendário. Em Portugal, são as grandes superfícies que decidem quando termina o verão e começa o regresso às aulas, quando chega o Natal, quando vem a Páscoa, o verão e depois as aulas outra vez. Aqui não. Primeiro, porque há muito poucos hipermercados. Depois, porque eles não têm uma presença tão vincada na vida das pessoas como em Portugal. Verdade, verdadinha, a festa aqui faz-se quando os moçambicanos querem e normalmente eles querem de oito em oito dias porque o fim-de-semana é um oásis. Além disso, datas já muito esbatidas em Portugal, são aqui motivo de celebração entusiasta. O dia da criança, dos namorados, da mulher e todos os feriados nacionais. As pessoas festejam o que querem, quando querem, quer os supermercados queiram, quer não.

Religião Vigente
Em Portugal, o Estado é laico e, não obstante a liberdade na escolha da religião que cada um quer professar, há, por razões culturais, uma evidente predominância da religião Católica. Isso nota-se na organização do calendário, nas celebrações, no discurso oficial e institucional. Em Moçambique nota-se que não se nota isso. Não sinto que haja uma religião vigente, não sinto que haja uma e as outras. Sinto que há diversas comunidades religiosas, todas muito vincadas, todas muito fortes, todas em natural e quase sempre harmoniosa cohabitação.

Caos e Boa Disposição
Nos últimos vinte meses, não me lembro de ter visto um moçambicano zangado, exaltado. Eles devem zangar-se como as outras pessoas todas, mas têm uma latente e constante boa disposição. E porque é que eu estranho? Sei lá, porque há situações do quotidiano, no trânsito, no supermercado, no banco, na polícia que seriam potencialmente de grande discussão em Portugal, dedo em riste, voz alterada, palavrão célere, e aqui vejo tudo isso ser tratado com muita contemplação e com muita paciência e sempre com um desconcertante sorriso. Certa altura, a minha mulher estava a dar um raspanete a um aluno e ele continuava a sorrir, vai daí ela disse-lhe que ele devia levar aquilo a sério e ele respondeu com o mesmo sorriso nos lábios, Eu levo a sério, setôra, eu sou mesmo assim. E era! E é! Ele e os moçambicanos quase todos. De contagiante boa disposição. Já não tão contagiante, mas admirável, é o caos de Maputo. O caos no trânsito, na ordenação do parque habitacional, nos mercados, nos transportes, na forma como as pessoas se deslocam e organizam. Em Maputo, tudo parece desorganizado e, contudo, a vida faz-se, acontece e desenrola-se com naturalidade. Não há falta de ordem. Há outra ordem. E nós aprendemos a viver com ela, mas estranhamos sempre.

Um ano e meio! De diferenças. De adaptação. De ritmos que mudam. De perspetivas que se alteram. Foi tão pouco tempo e parecem já décadas. Tudo é intenso em África. Mas não é uma intensidade frenética. É uma intensidade profunda e tranquila que nos transforma por dentro. Não sei se alguma vez mais me vou embora. Estou a moçambicanizar-me. Há sinais evidentes disso e serão esses sinais o motivo da próxima crónica...

jpv

Poema da Menina que Vendia Maracujás na Beira da Estrada


Poema da Menina que Vendia Maracujás na Beira da Estrada

Era uma menina,
Chamava-se Inês,
E vendia maracujás
Na beira da estrada.
De seu, não tinha mais nada.

Pé descalço
Salpicando a água da chuva,
Saia verde,
Blusa desabotoada.
De seu, não tinha mais nada.

Um pano no chão,
O tempo todo para esperar,
A fruta amontoada.
De seu, não tinha mais nada.

A um canto do pano, um nó.
Lá dentro, uma nota velha e dobrada.
De seu, não tinha mais nada.

As mãos estendidas para a vida,
A esperança no sorriso da face encantada.
De seu, não tinha mais nada.

Uma troca rápida,
Uma palavra breve,
O olhar de novo na estrada.
De seu, não tinha mais nada,
Inês,
A menina que vendia maracujás
Na beira da estrada.

Chongoene
08/02/2014
jpv

Crónicas de África - Tempestade

Crónicas de África - Tempestade

O dia amanheceu radioso, pelas seis da manhã, o sol sentia-se bem na pele e havia aquele esplendor luminoso da luz irradiada e aspergida pela Terra dos homens. Uma coisa que se aprende em África, rapidamente, é que a Natureza tem muita força. Desde as bactérias de uma alface por lavar que fazem percorrer o calvário da casa-de-banho vezes sem conta, passando pela pele de um peixe que não se deveria ter comido e que deixa o corpo pintado de encarnado e branco como um equipamento do Benfica, às enxurradas de vinte minutos de chuva que parecem querer lavar toda a superfície da Terra e, claro, ao fulgor de uma tempestade. A manhã aqueceu bem. Pela hora de almoço, estavam mais de trinta graus e foi por essa altura, também, que o ar deu em ficar meio húmido. Sentia-se o vapor de água na atmosfera. Pelo meio da tarde, levantou-se uma brisa leve e, ao longe, o céu, até então azul celeste, começou a pintar-se de um azul inox intenso. A conclusão foi certeira porque óbvia: vem lá borrasca! E se veio. O vento levantou-se, o capacete nublado cobriu a cidade que, dada a sua situação geográfica, quando é coberta por nuvens de tempestade, estas ficam muito baixas, muito próximas do solo. Os clarões de luz têm uma intensidade irrepetível e o som dos trovões é atroador, os vidros das janelas cantam e, com o tremor da trovoada, saltam bocadinhos de estuque que prendem os vidros das tais janelas e os alarmes dos carros dão em disparar feitos loucos como se alguém estivesse baloiçando as viaturas. A água chega de mansinho e em segundos as pingas da anunciação da chuvada se convertem em generosas e ruidosas bátegas. É um espetáculo fabuloso, belo, imponente e, ao mesmo tempo, a pôr em sentido a alma das gentes, mesmo daqueles que se dizem imunes a esses inconfessados temores.

Eu, sempre que chega um momento destes, colo-me ao vidro de uma janela como uma criança que vê televisão pela primeira vez  e deixo-me maravilhar pelo recorte da luz na escuridão.

Hoje trago-vos três momentos que captei esta noite da janela da minha sala. Uma foto entre clarões, ou seja, com a luz natural da noite que é quase nenhuma, um breu cerrado. Uma foto do auge de um clarão. A foto não tem nenhum tratamento. Aquela luz é toda do clarão do relâmpago. Sem corantes nem conservantes! Sim, há dias de sol menos luminosos! E, por fim, meia dúzia de segundos de filme do céu passando de negro a riscado pelos raios.

É assim, a Mãe Natureza, em Maputo!

 Foto entre relâmpagos com a luz natural da noite:


 Foto do clarão de um relâmpago:


 Os raios cortando o breu nos céus de Maputo:

No Trilho dos Escritores Moçambicanos - Rui Nogar




No Trilho dos Escritores Moçambicanos

Eu não descobri o Rui Nogar. Foi ele que me encontrou. Um livro dele, mais precisamente. O único livro que Rui Nogar publicou: "Silêncio Escancarado". É um livro de poesia.

Estou a reagir a quente. Adorei cada poema. Cada um melhor que o outro. Uma dor constante, uma revolta interior, um balançar entre Portugal e Moçambique, um profundo conflito com o Cristianismo, um fervor e uma paixão constantes. Intrinsecamente político, contundente, de palavra veloz e dura. É moçambicano, sim, mas é também um poeta do mundo, universal.

Enfim, o melhor é que leiam e avaliem por vós. Afinal, o melhor que podemos fazer quando encontramos um escritor de que gostamos, é partilhá-lo.

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Do amor pelas pedras

se fores capaz
de amar uma pedra

se conseguires amar um pedra
dessas a que chamam calhaus
vulgaríssimas na sua textura
inconsequentes nas intenções
e que rolam no leito dos rios
desgastando-se até ao absurdo

uma pedra que julgamos inútil
sem outra beleza que não seja
a que só tu lhe podes emprestar

 se fores capaz de amar essa pedra
ama-a
acarinha o seu silêncio
responde ao seu mutismo
iletrado irreflexo
ama essa pedra
mesmo que te chamem louco
e que se riam na cara que hasteaste
no mastro da tua irreverência

e se for preciso
se os não loucos
forem longe longe demais
nas suas vaias
seus arremedos insultuosos
atira-lhes então a pedra
atira-lhes então a pedra
com toda a força do teu amor
com todo o poder transfigurador
das tuas mais íntimas convicções
ah com a violência que te possui
nos momentos em que és capaz
de amar uma simples pedra
que a tua sensibilidade vitalizou

atira-lhes essa pedra
atinge-os em cheio
e esmaga
esmaga as conveniências
que a burguesia libidinou
para que os outros
um dia saibam
que o absurdo apenas mora
onde jamais será pssível
florescer um amor qualquer

e tu
tu amarás essa vulgar pedra
quer eles queiram quer não
como se ama
apaixonadamente
a independência da nossa pátria
a liberdade de qualquer povo
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Nota Biográfica
 
Rui Nogar é o pseudónimo de Francisco Barreto, filho de emigrantes brancos oriundos de Goa, nascido em Lourenço Marques, a 2 de Fevereiro de 1932, e falecido em Lisboa, a 11 de Março de 1993. Após a morte do pai, abandonou os estudos secundários, a fim de prover ao sustento da família. Considerava-se um autodidacta, cuja formação devia tanto ao exemplo dos pais como ao de professores, exilados políticos portugueses, que o alertaram para as questões sociais e a necessidade de as problematizar no contexto colonial.
Viveu de perto desigualdades e injustiças, quer no subúrbio laurentino, que «conhecia como os seus dedos», quer no seu percurso profissional: trabalhou junto dos carregadores do cais e como praticante de escriturário nos Caminhos de Ferro de Moçambique, funções que só não foram mais humildes porque, como disse, «era impossível ser servente. Na altura só os havia de raça negra». Posteriormente, foi copywriter, contabilista e redactor em diversos títulos da imprensa, como a Tribuna ou O Brado Africano.
Com Craveirinha, participou nas actividades da Associação Africana, aí se notabilizando como declamador. Foi, aliás, na sequência de uma das sessões culturais dinamizadas naquela associação, em 1953, que a polícia política o deteve pela primeira vez. Os seus poemas mais antigos datam de 1954-55 e surgem em O Brado Africano e no Itinerário. Nessa época, reconhecia «ser mais provocador de vocações do que ser ele próprio vocacionado», mas acabou por assumir a escrita como um instrumento de expressão do seu «mundo interior», o que, nas suas palavras, significava tudo «aquilo que nós achávamos justo», tudo o que «pensávamos realmente não poder continuar a acontecer à nossa volta».

Mais informação sobre Rui Nogar, aqui:
http://www.revistarubra.org/?page_id=1263
 

Crónicas de África - Eleições Autárquicas


Crónicas de África - Eleições Autárquicas

Hoje é dia de eleições autárquicas em Moçambique. Contudo, apesar disso e do título desta crónica, se esperava um texto político, desengane-se. O que nos move é a matéria social.

Não faremos comparações entre Moçambique e Portugal para mostrar que um é melhor do que o outro. Esse é um caminho que não nos interessa. Esse não é um caminho. Faremos comparações para percebermos as diferenças profundas que existem no encarar de um fenómeno aparentemente igual.

Ora, vamos às tais diferenças e o leitor faça os restantes juízos de valor por si mesmo.

O Dia
O dia de eleições, em Portugal, há muito que é ao domingo, ou seja, é num dia de descanso que se pratica o ato de cidadania de votar. Em Moçambique, esse ato, porque se quer útil, pratica-se num dia útil. Excetuando os serviços que não podem mesmo paralisar, polícia, exército e médicos, todos os outros, enfim, quase todos, paralisam no dia de eleições. Por exemplo, imagine-se isto em Portugal, os supermercados e os hipermercados encerram. Num dia útil. Que os moçambicanos querem útil e esperemos seja.

Caça ao Voto
Em Moçambique a expressão caça ao voto não é pejorativa, ou seja, não designa um político que vai para o terreno prometer fingidamente mundos e fundos com o intuito único de angariar votos. Em Moçambique, os jornalistas e as pessoas usam a expressão caça ao voto de uma forma natural significando uma ação de campanha em que um candidato vai para o terreno contactar com as populações. Assim, o telejornal pode abrir com a frase "Fulano de tal saiu hoje à rua para a caça ao voto" e isso não constitui uma crítica ou um juízo de valor pejorativo. É só a constatação de que ele está em campanha junto dos eleitores.

A Marca
No dia da votação, os eleitores dirigem-se às mesas de voto, tal como em Portugal, mas não vêm de lá como em Portugal. O ato de votar inclui colocar o dedo numa esponja com tinta indelével assinalando que aquele eleitor não pode apresentar-se de novo às urnas. A consequência mais interessante é que as pessoas, após votarem, exibem orgulhosamente a sua marca como que assinalando o facto de terem cumprido o seu dever cívico.

Número de Municípios
Portugal tem 308 municípios. Moçambique tem 53. De Maputo (Sul) a Nampula (Norte) é como de Lisboa a Düsseldörf. Portugal tem 10 milhões de habitantes. Moçambique tem 23.


Programas e Promessas
E aqui reside a principal diferença. Aquela que é, afinal, a principal razão desta crónica. O teor das promessas e dos discursos eleitorais é profundamente diferente. Em Portugal é já muito abstrato e, nesse, sentido, muito prudente. É generalista. Cabe lá tudo e pode não caber lá nada. Por outro lado, as eleições autárquicas, em Portugal, têm uma dimensão nacional que lhe é atribuída sobretudo pelos Média. Em Moçambique, as autárquicas não têm amplitude nacional. São mesmo autárquicas, municipais, regionais. O que conta é o trabalho de cada candidato naquela região e as leituras partidárias de amplitude nacional esbatem-se. Os programas e as promessas que resultam deles são muito concretos, muito específicos, o que resulta na possibilidade de haver uma avaliação muito visível do trabalho do edil. Vamos a exemplos. Em Portugal pode prometer-se melhorar equipamentos sociais, aqui promete-se umas casas de banho num determinado mercado. Em Portugal promete-se melhorar a rede de transportes, aqui promete-se uma carreira específica de transporte público entre dois bairros e identificam-se quais. Em Portugal promete-se melhorar as vias de circulação, aqui promete-se uma estrada que vai de tal ponto a tal ponto. Em Portugal promete-se melhorar as infraestruturas de saneamento básico, aqui promete-se fornecimento de água para o bairro tal e identifica-se especificamente qual.

Eu diria que a política portuguesa está mais abstrata e mais depurada, mais estéril, mas, por outro lado, mais abrangente. Em Moçambique a política está num estado mais puro e concreto, numa relação de "dou para que dês", à maneira romana, entre eleitor e candidato.

O dia está a decorrer com grande civismo e tranquilidade. Nem outra coisa seria de esperar de um povo que tanto batalhou pela Paz e que a preservará a todo o custo. E, como se diz na gíria da bola, que ganhe o melhor!
jpv

As Cores da Capulana - Nkombela, Por Favor!


Nkombela, Por Favor!

Uma bandeira branca,
Uma mão no ar,
Uma marcha que arranca
Uma só voz a cantar.
E uma gente que pede,
Nkombela, por favor,
Milhares de almas gritam
Um povo farto de dor.
E vês passar, na televisão,
E parece longe e distante,
Súbito te agarram pelo coração
E entras na turba gritante.

Não é de guerra
A gente que trabalha.
Não é de morte
A gente que sacrifica.
Não é de ódio
A gente que sorri.
Não merecia dor,
Por um dia que fosse,
A gente que te acolhe
Com um olhar terno e doce.

Não sei as palavras complicadas,
Não tenho as soluções complexas,
Nem as influências acertadas.
Tenho só a humildade da palavra
Que também leva vontade e fulgor:
Libertai a Paz em Moçambique,
Nkombela, por favor!
jpv

Hoje vi um escritor

Hoje vi um escritor. Às vezes vejo publicadores. Normalmente, os publicadores auto-intitulam-se de escritores e quando o fazem, nós percebemos que o não são. Era uma sessão solene com homenagens e figuras públicas e institucionais a emoldurarem o cenário onde se desenrolou a mesa redonda que nem reparei se era redonda mesmo ou só no nome. E os fatos e as gravatas e os perfumes e as palmas e os apertos de mão e as mãos no ar a pedir a palavra e as perguntas e as respostas a persegui-las. E o escritor, de sorriso cândido e palavra genuína disse Eu estou num processo de aprendizagem, na busca de um provável escritor em mim. E calou-se. E eu vi o escritor nele. E depois retomou a palavra e disse outros espantos, que tinha decalcado muitos textos dos outros, do José Craveirinha, dizia ele, lia os textos e decalcava a ver se ficava como ele e confessava o plágio e eu lembrava-me a mim mesmo que os romanos incentivavam isso, fomentavam o plágio dos bons autores como arte de aprender. E era a hora das receitas e eu com medo. Se ele me vem dizer em que posição se escreve um romance, quantas páginas se deve escrever por dia, com que braço, com que caderno, a que velocidade, eu levanto-me daqui e vou perder o tempo para outro lado, quem sabe, comer uma omeleta no Piri-piri. Mas ele calou-me a intenção. O escritor. Jovem. Humilde. Sabedor. E disse como quem se escusa de ensinar, ensinando, Às vezes aprendemos as técnicas inconscientemente. Como é verdade, jovem escritor. Como é verdade que tantas vezes é a escrita que nos ensina a escrever, que nos mostra a vida e o caminho das palavras. Como é verdade que às vezes acordamos para as palavras e elas já lá estão. Eu vejo o escritor como um parasita que se alimenta de leituras. Tens razão. E de gente. E movimentos. E de palavras ditas. E de vida e de tudo o que seja observável. Sabes, escritor, às vezes vou no carro a conduzir e a companheira vai falando, falando, desenhando a vida, planeando os gestos e depois pergunta-me a opinião e eu Hã?! e ela se zangando porque eu não estava a ouvir. Em que vais a pensar? Quer saber. Vou a escrever. E escrevo sem caneta nem papel, na cabeça, enquanto remexo no que vi, observei, em última análise, no que li. E tinhas de falar das técnicas e dos rituais. Pediram-te. E tu que não queres nada disso, tudo o que queres é escrever, disseste a outra verdade, Cada escritor inventa os seus rituais. Pois é. Uns andam de braço dado com a boémia, outros se levantam de madrugada, outros são obesos e sedentários, outros ainda correm e suam no ginásio, outros é quando chove, outros é nas férias, havia um que era de pé e outro que era nas costas desnudadas das amantes saciadas. E de ti sabemos o essencial proferido com as palavras simples e exatas. Sem receitas. Sem truques nem artifícios. Escrevo sob o signo da surpresa, da subversão e da loucura. E eu bebia-te as palavras, a simplicidade da presença afável e humilde em lições jovens de vida e de estar. Hoje vi um escritor, a metamorfose constante do homem que regurgita a vida para os outros e lha oferece limpa de si, cristalina e depurada. Crua.
jpv
Hoje, numa sessão do xxv Curso de Literatura em Língua Portuguesa promovido pelo Instituto Camões e pela Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, ouvi e bebi as palavras de um jovem e promissor escritor moçambicano: Lucílio Manjate. A não perder o escritor que aí vem.

Lucílio Manjate

Numerologia Interessante


Numerologia Interessante

"Mails para a minha Irmã" sempre teve uma frequência diversificada. Portugal, naturalmente por questões de Língua, foi sempre o país a fornecer mais leitores. Depois tínhamos países como o Brasil, a Suíça, a Rússia, mais recentemente Moçambique, mas com o público português a destacar-se. Isto parecia-nos natural e, diversas vezes e a título de curiosidade, fomos divulgando dados.

Acontece que tudo muda e nos últimos quarenta e cinco dias deu-se uma mudança drástica. Portugal deixou de ser o país que mais leitores fornece a MPMI. E a diferença acentua-se a cada dia que passa. Neste momento, o país que mais leitores fornece a MPMI são os Estados Unidos! Pois... ultrapassa-me. Admito, pelas zonas de acesso, que sejam comunidades portuguesas nos EUA.

A todos os leitores de MPMI, de todos os quadrantes, um forte agradecimento pela vossa dedicação. Todos são especiais para nós. E claro, um abraço especial, desta vez, para os amigos de MPMI que vivem nos EUA. 

A título de curiosidade, ficam os números relativos às visitas dos últimos trinta dias selecionados, somente, os cinco países donde provêm mais leitores.


Até já!
jpv
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Moçambique
35
Rússia
21
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